As mudanças climáticas estão exigindo o surgimento nas redações dos grandes e médios jornais (site e papel) e das emissoras de rádio e TV do repórter especializado no atendimento de emergência das prestadoras de serviços públicos. E no funcionamento das 11 agências nacionais reguladoras, que fiscalizam, controlam e penalizam as empresas do setor.
Nos últimos 90 dias aconteceram muitas chuvaradas e vendavais que varreram o país de sul a norte e de leste a oeste, deixando um rastro de destruição de bens, mortes, feridos e muita confusão. Vou citar dois desses eventos climáticos. Em novembro, um vendaval seguido de chuvarada atingiu a Região Metropolitana de São Paulo. Foi muito lenta a resposta dada pelo serviço de emergência da Enel, empresa distribuidora de energia elétrica na capital paulista. Em consequência, vastas regiões da maior e mais populosa cidade da América do Sul ficaram sem eletricidade por mais de duas semanas. Um fato inimaginável, pelos relatos dos repórteres envolvidos na cobertura.
Na noite de 17 de janeiro, na Região Metropolitana de Porto Alegre, um forte temporal com ventos e chuva destruiu tudo que havia pela frente. Passadas quase três semanas, a energia elétrica ainda não tinha sido totalmente restabelecida pelas duas maiores empresas distribuidoras do Rio Grande do Sul, a CEEE Equatorial e a RGE. Tanto em São Paulo quanto em Porto Alegre a população foi para a rua protestar contra a falta de luz. Esse é o resumo da ópera.
Os números dos estragos provocados por esses temporais estão disponíveis nas matérias na internet. A nossa conversa não será sobre números, mas a necessidade de termos um repórter especializado em emergências nos serviços públicos. Por quê? Apesar de todo o avanço na tecnologia das comunicações, na hora que acontecem os grandes desastres os leitores ligam para as redações, porque sabem que o jornal vai mandar um repórter bater na porta do responsável. E sabem do peso que tem uma matéria contando o seu drama em um jornal de grande circulação ou numa emissora de rádio e TV de forte audiência. Sabem que ter o nome do responsável pelo serviço exposto no noticiário é fundamental para as coisas acontecerem.
Já era assim quando comecei a trabalhar na redação, em 1979, na época das máquinas de escrever, e quando saí em 2014, na era digital. E continua sendo. O que mudou foi a dificuldade do repórter para encontrar quem responde pelas prestadoras de serviço. Antes, a maioria das empresas de distribuição de energia elétrica era estatal, o que simplificava a tarefa do jornalista. Era só atirar a bronca no colo do governador. Melhor ainda se fosse em ano eleitoral.
A privatização colocou como responsáveis pelas empresas os seus CEOs, os diretores executivos, que representam os interesses dos acionistas. Esses profissionais se protegem colocando para atender a imprensa gerentes de área, que sabem a história do seu pedaço da empresa. Mas não têm ideia da situação geral. O diretor executivo só aparece quando o rolo cresce demais e começa a colocar em perigo o seu emprego. O Brasil tem 11 agências reguladoras que controlam os serviços prestados à população. No setor elétrico é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que tem carência de pessoal e equipamentos para operar.
Pressionado pelo leitor, é dentro desse emaranhado que o repórter tem que se movimentar. Antes de seguir a conversa vou dar uma explicação que julgo necessária. Peguei o pé das distribuidoras de energia elétrica por elas serem o esteio principal do nosso atual modo de vida. Nada funciona sem eletricidade. Mas o que escrevi serve para outros setores, como as empresas fornecedoras de internet e telefonia, que são controladas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), também sem estrutura para operar.
Voltando a nossa conversa. Se tivermos um repórter na redação que entenda como deve funcionar um sistema de emergência as matérias vão ganhar corpo. Cito o exemplo de São Paulo e Porto Alegre. Qual o número de equipes necessárias para atender as emergências causadas por temporais nessas duas capitais? Acrescento aqui o seguinte: os serviços de meteorologia anunciam com até uma semana de antecedência o calibre dos temporais.
Por tudo que li e conversei com colegas nas redações, nós jornalistas não sabemos nada sobre o número de equipes e o seu perfil técnico. Duas informações fundamentais para se ter uma ideia exata do que os técnicos estão falando. Há mais um problema. Os serviços de atendimento aos consumidores nessas empresas hoje são operados por computadores. Imaginem a situação. Não seria o caso de, nessas situações extraordinárias, de grande estresse, colocar atendentes humanos para ouvir as reclamações dos consumidores?
No momento atual, as redes sociais têm sido usadas para os vizinhos se comunicarem entre si. E uma das perguntas mais frequentes é: “Ligo para quem no jornal?”. Para conversar com os jornalistas na redação o caminho mais curto é ter o celular deles. Caso contrário, fica-se atolado na burocracia. Nos últimos tempos, o acesso do leitor ao repórter foi burocratizado. Isso precisa acabar. Por quê? As emergências decorrentes das mudanças climáticas estão criando uma oportunidade para a imprensa tradicional ser relevante para o seu leitor. É na porta dos grandes jornais, rádios e TVs que as pessoas estão batendo em busca de ajuda para terem resolvidos os seus problemas de falta de luz, água e internet. Essa porta precisa estar aberta.
reportagem publicada originalmente em “Histórias Mal Contadas”.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.