Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O preço do descaso com a sustentabilidade

Ditado catalão: “Entre Deus e o dinheiro, o segundo é sempre o primeiro.” Do caos à lama, eis o resultado de um país que, inebriado pela ganância financeira, vira as costas para a sustentabilidade: “Eram 16h20 quando um estrondo anunciou a tragédia que ficará para sempre marcada na história de Minas Gerais e, sobretudo, nas memórias de moradores das cidades de Mariana e Ouro Preto. A barragem do Fundão, da Mina do Germano, propriedade da mineradora Samarco, entre os dois municípios da Região Central do estado, estourou, liberando um tsunami de lama e rejeito tóxico que varreu o que encontrava pela frente. O povoado de Bento Rodrigues, distante 2,8 quilômetros, onde havia 200 casas e viviam 620 pessoas, foi arrasado”, informam os repórteres Landercy Hemerson, Rodrigo Melo e Roney Garcia, no Correio Braziliense de 06/11/2015.

Em Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra (2008), Leonardo Boff oferece ao público um conceito acertado acerca da sustentabilidade: “Diz-se que uma sociedade ou um processo de desenvolvimento possui sustentabilidade quando por ele se consegue a satisfação das necessidades, sem comprometer o capital natural e sem lesar o direito das gerações futuras de verem atendidas também as suas necessidades e de poderem herdar um planeta sadio em seus ecossistemas preservados.” Além desta contribuição conceitual, o teólogo e filósofo brasileiro destaca São Francisco de Assis (1182-1226) como figura exemplar em prol da sustentabilidade no planeta.

Fazendo questão de destacar os laços de fraternidade que nos une a todos os seres, o padroeiro da sustentabilidade, com ternura, chamava a todos de irmãos e de irmãs: o Sol, a Lua, as formigas e o lobo de Gubbio. Para São Francisco de Assis, todas as coisas tinham um coração, um pulsar pelo qual nutria veneração e respeito, considerando como especial cada ser, por menos que fosse. Mesmo as ervas daninhas, nas hortas, eram bem consideradas por São Francisco de Assis, pois, na visão dele, elas, do seu jeito, louvavam o Criador. Assim, o notável evangelista simboliza o modo-de-ser do cuidado com respeito ao meio ambiente, representando um modelo verdadeiramente alternativo ao modo-de-ser do trabalho-dominação-agressão da natureza, conforme bem observa Leonardo Boff.

Admirado em nosso país, São Francisco de Assis sintetiza muito bem o vanguardismo ambiental que se faz pujante no Brasil, potência ambiental por natureza. O reconhecimento deste mérito se faz presente pelo menos desde a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500. Mesmo sabendo das intenções patrimonialistas da coroa portuguesa em extrair ao máximo os recursos naturais da colônia “descoberta”, o documento em questão revela o fascínio dos que aqui aportaram: “Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro e Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”

Um subdesenvolvimento traumático

Do trecho em destaque nasceu o famoso “em se plantando tudo dá”. Infelizmente, esta característica atraiu muito mais a ganância predatória do que o zelo preservador. Se, na esteira orgulhosamente nacionalista de Jorge Ben Jor, na canção País tropical (1969), podemos nos orgulhar de que “moro no país tropical/abençoado por Deus/e bonito por natureza”, temos que admitir que o nosso patrimônio ambiental é constantemente dilapidado de forma tenebrosa, conforme testemunhou, certa vez, o poeta árcade Cláudio Manuel da Costa (1729-1789): “Leia a posteridade, ó pátrio Rio,/Em meus versos teu nome celebrado;/Por que vejas uma hora despertado/O sono vil do esquecimento frio:/Não vês nas tuas margens o sombrio,/Fresco assento de um álamo copado;/Não vês ninfa cantar, pastar o gado/Na tarde clara do calmoso estio./Turvo banhando as pálidas areias/Nas porções do riquíssimo tesouro/O vasto campo da ambição recreias./Que de seus raios o planeta louro/Enriquecendo o influxo em tuas veias,/Quanto em chamas fecunda, brota em ouro”. Destacando as belezas do Ribeirão do Carmo, o “pátrio Rio”, Cláudio Manuel da Costa, neste soneto, também ressalta a ambição desenfreada daqueles que exploravam, no século XVIII, o ouro presente naquela importante paisagem mineira.

No poema “Estranhas Minas” (Em ponto de bala, 2013), Ricardo Evangelista também denunciou a ordem econômica como responsável direta pelo descaso brutal que afeta nossa dimensão ecológica: “Minas estranha/o que te dá nome/estraga vossas estranhas./Minas,/extirpam suas tripas/de ouro, calcário/diamante ferro brita./Estupram vossas matas/rios, lagos e grutas./Exportam pro estranja/China, Europa, Japão./Poucos imaginam, mas esse apito do trem/é um grito do minério que te roubam às escondidas./Oh! Minas Gerais! Que esvai em feios vagões./No caminho que tu andas não restará nem os Gerais.”

Face ao exposto, é preciso encarar a questão da sustentabilidade como princípio máximo do comportamento responsável a favor da qualidade de vida. Para tanto, é preciso que o investimento de recursos, a direção do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais estejam em sintonia com o estímulo voltado para o progresso da geração presente, como também da geração futura, suprindo, assim, suas necessidades e aspirações. Considerando a etimologia latina da palavra, o termo sustentabilidade provém dos verbos sustentare (manter) e sustinere (não deixar cair). O desenvolvimento que ignora a preservação e o progresso do nosso ecossistema, no fundo, se consolida como subdesenvolvimento traumático, resultante da histórica falta de cuidado para com todos os seres da criação.
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor universitário, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários