Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O que não mata, engorda?

(Foto: Netic/Getty Images)

De repente, me lembrei daquela marchinha de Carnaval bem sugestiva para o tema do agronegócio, “Yes, nós temos banana”, na qual o malicioso Braguinha elogiava nossa fruta natural, na época de preço bem barato para qualquer um comprar: “banana menina, tem vitamina, engorda e faz crescer”.

Será? No fim dos anos 30, quando foi composta essa marchinha, banana realmente deveria ter só vitamina. Hoje, com o desenvolvimento dos pesticidas, é bom a banana ter casca grossa para não ficar também contaminada com algum desses pesticidas da Bayer ou da Monsanto usados nas plantações. Mas não são só as frutas de casca como abacates, abacaxis ou laranjas as submetidas aos agrotóxicos; o mesmo ocorre com os morangos e as saladas, numa mistura talvez não indigesta, mas perigosa, principalmente para as crianças.

Porém, alguém como Leandro Narloch, colunista da Folha, defensor dos agrotóxicos ou pesticidas como o glifosato, poderá me puxar a orelha e lembrar que, sem o surgimento da agricultura moderna, incluindo-se a criação e utilização dos pesticidas, as colheitas não teriam sido suficientes para alimentar a população do planeta. Meia verdade, porque a evolução dos pesticidas acabou nos levando à produção de pesticidas sintéticos excelentes no combate a todo tipo de pragas no cultivo agrícola, porém com o risco de provocarem doenças e malformações em crianças, adultos e mesmo serem fatores culpados por diversos tipos de câncer. Como se costuma dizer no meio agrícola, não são venenos, exigem cuidado na dose a se utilizar nas irrigações ou vaporizações, porém geralmente são tóxicos para o ser humano.

E, então, como fazer para se garantir grandes safras e, no caso do Brasil, ter boas colheitas para aumentar as exportações ou mesmo atender o consumo interno? Sem se esquecer da poluição da água destinada ao consumo humano, poluição esta decorrente do uso de pesticidas ou agrotóxicos na lavoura. Os europeus, na sua maioria, são zelosos e procuram controlar a fabricação e o uso desses agrotóxicos. Mas, e o Brasil?

O tema é atual, ainda mais agora, com a recente aprovação pela Câmara do registro e uso no Brasil de novos agrotóxicos, lei proposta pela bancada ruralista, com o apoio do presidente Bolsonaro. Com o objetivo de se diminuir ao máximo a perda nas plantações, tais agrotóxicos poderão contaminar os trabalhadores agrícolas, sem se falar no risco de contaminação dos consumidores das colheitas agrícolas. Uma das artimanhas usadas para mascarar a periculosidade do projeto foi a de se evitar o uso da palavra agrotóxico no seu texto, substituído por pesticidas ou produtos de controle ambiental.

Os países europeus com legislações mais severas estão vigilantes quanto às importações brasileiras. O Le Monde já havia alertado, há dois anos, quanto à liberalização ou homologação de mais de duas centenas de tipos de pesticidas pelo governo Bolsonaro. O fundador e CEO de uma rede de supermercados orgânicos sueca decidiu, logo depois, suspender a importação de produtos originários do Brasil. No comunicado divulgado aos seus consumidores, Johannes Cullberg dizia que “pessoas morrem, outras se tornam inférteis, crianças nascem com malformações em consequência desses pesticidas”.

Um dos pesticidas mais utilizados no mundo, o glifosato, um herbicida produzido pela Monsanto, é considerado provavelmente cancerígeno pelo Centro Internacional de Pesquisa contra o Câncer (CIRC), ligado às Nações Unidas. O uso desse agrotóxico está autorizado na Europa até o fim deste ano; depois disso, os dirigentes europeus, ouvindo seus cientistas, deverão proibir, restringir ou renovar sua utilização. Herbicida barato, eficaz e de fácil utilização, é o preferido dos agricultores, porém contra ele existe a acusação de ser nocivo à saúde e provocar câncer.

No Brasil, a defesa do chamado Pacote de Veneno e do Glifosato (como chamam o projeto de novos agrotóxicos aprovado na Câmara) por Narloch provocou fortes reações entre ambientalistas, pesquisadores e movimentos populares de esquerda. O articulista da Folha é classificado por seus críticos como divulgador de idéias negacionistas e adepto do revisionismo histórico.

Numa época de chavões populares, Bolsonaro, a bancada rural e Narloch talvez pudessem concluir este texto com uma frase tóxica: “o que não mata, engorda”!

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.