MAR DE LAMA
não basta ser metáfora:
o nosso mar de lama
tem que virar catástrofe
para adensar a trama
do sórdido espetáculo
o que a mina embalsama
nessas barragens lôbregas
agora se esparrama
por léguas e quilômetros
e mórbido amalgama
em um cimento hórrido
o que já teve a fama
de ser muito bucólico
cenário tão terrífico
com destruição que inflama
o coração mais frígido,
no entanto, não conclama
o Estado a ser mais rígido
na atuação do Ibama,
como estaria implícito
que nada, o Estado chama
de excêntrico e esquisito
quem cumpre a lei e ama
a natureza; explícito,
nos diz que a dinheirama
que o dono tão solícito
nas eleições derrama
não o faz menos crítico
MATÉRIA INERTE
o diretor solerte
garante ao jornalista:
“é só matéria inerte,
não apresenta risco”
contudo se converte
de súbito na morte
e rápido liquida
toda espécie de vida
agora o povo exclama
com ódio, vendo a lama
mortífera: “acabou-se
pra sempre o rio Doce”
e como não bastasse
o feito, ela ameaça
ainda causar dano
maior lá no oceano
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André Vallias é poeta, designer gráfico e pesquisa as possibilidades criativas para poetas nos novos meios digitais e interativos.