O rompimento de duas barragens de rejeitos de minério de ferro da empresa Samarco, em Minas Gerais, é um exemplo de como o atual modelo de desenvolvimento brasileiro é um risco para o meio ambiente e a própria vida das pessoas. O desastre criou uma enxurrada de lama que cobriu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e contaminou 500 km do rio Doce – cujo vale deu nome à gigante da mineração, uma das proprietárias da Samarco. O número de desabrigados chega a 660, e ao menos seis mortes e 19 desaparecimentos já foram confirmados – números que podem estar subestimados.
“Se desenvolvimento é crescimento econômico – como diz a lógica do produtivismo-consumismo –, há que extrair cada vez mais minérios, mesmo sabendo que isto poderá ter consequências nefastas para os seres humanos, como acaba de provar, mais uma vez, o grave acidente ocorrido em Minas Gerais. Com esta forma de desenvolvimento, além da perda de vidas, estamos atacando a nossa água doce, uma das maiores riquezas que temos, com produtos químicos, tóxicos”, afirma Ivo Lesbaupin, diretor executivo da Abong e secretário executivo do Iser Assessoria.
Ele é o idealizador do seminário “Desenvolvimento em Disputa: Por uma economia a serviço da vida”, que acontece em Brasília, nos dias 17 e 18 de novembro. Organizado pela Abong e o Iser Assessoria (ONG do Rio de Janeiro), em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista e a Frente Parlamentar em Defesa das Organizações da Sociedade Civil, o evento é aberto a participação de todos.
Na entrevista abaixo, Ivo defende o tema como fundamental para o momento atual do Brasil e cobra uma tomada de consciência sobre a gravidade da situação. “Não basta acrescentar o meio ambiente como mais um elemento a ser considerado: toda a nossa economia deve ser ecológica, se quisermos garantir que a natureza continue a nos oferecer condições de vida”, sustenta.
Leia a íntegra da entrevista:
Qual a importância deste evento? Por que discutir um novo modelo de desenvolvimento é importante nesse momento do Brasil?
Porque a situação ecológica é muito grave, particularmente no Brasil. Todos temos percebido e sentido as mudanças climáticas que estão ocorrendo: eventos extremos têm ocorrido com frequência cada vez maior (inundações, secas, falta d’água em grandes cidades, para dar alguns exemplos). Estas mudanças têm a ver com o nosso modelo de desenvolvimento. Este modelo implica explorar cada vez mais os recursos naturais, sem prestar atenção aos limites da natureza. Segundo Antonio Nobre, o desmatamento acumulado na Amazônia até 2013 foi o correspondente à área de três estados de São Paulo. A Amazônia é a fonte de nossas chuvas. E por que o desmatamento? Para vender madeira, claro, mas, sobretudo para ampliar a área do agronegócio (gado, soja para exportação, etc.). E para realizar megaprojetos de usinas hidrelétricas, supostamente porque esta é a única ou a melhor forma de produzir energia neste país ensolarado que é o Brasil.
O desastre da Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, tem algo a ver com essa discussão?
Se desenvolvimento é crescimento econômico – como diz a lógica do produtivismo-consumismo –, há que extrair cada vez mais minérios, mesmo sabendo que isto poderá ter consequências nefastas para os seres humanos, como acaba de provar, mais uma vez, o grave acidente ocorrido em Minas Gerais. Com esta forma de desenvolvimento, além da perda de vidas, estamos atacando a nossa água doce, uma das maiores riquezas que temos, com produtos químicos, tóxicos. Já não temos uma crise hídrica? O modo como tratamos a água está deteriorando a sua qualidade e reduzindo sua capacidade de regeneração.
Precisamos reverter este processo. Há outras formas de produzir energia que são renováveis e não exigem desmatamento, não atingem os povos indígenas e as populações ribeirinhas, que vivem dos rios, e também não prejudicam os próprios rios. Nós não temos de “explorar” a Terra, temos de “cuidar” da Terra: dela dependemos para viver.
Há formas alternativas de produzir e de consumir que fazem bem, que não prejudicam – e já existem, já são praticadas. É possível produzir alimentos sem agrotóxicos, sem transgênicos, aí está a agroecologia para provar. E não só na agricultura, também na indústria, no transporte e outros setores.
Por que fazer um momento no Congresso Nacional?
Este seminário está sendo feito em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista e com a Frente Parlamentar em defesa das Organizações da Sociedade Civil. As decisões são tomadas a nível do poder legislativo e do poder executivo: é fundamental que nossos parlamentares participem destes debates, tomem consciência da gravidade da situação em que vivemos e contribuam para mudar. Não basta acrescentar o meio ambiente como mais um elemento a ser considerado: toda a nossa economia deve ser ecológica, se quisermos garantir que a natureza continue a nos oferecer condições de vida.