A Irlanda é o único país, no mundo ocidental desenvolvido, a ter adotado uma lei de blasfêmia no século 21. A vergonhosa lei, aprovada em 2009 e que entrou em vigor em janeiro de 2010, dispõe de uma multa máxima de 25 mil libras esterlinas [R$ 124 mil]. A lei proíbe “publicar ou proferir algo que seja gravemente abusivo ou injurioso em relação a assuntos sagrados de qualquer religião, provocando propositalmente, deste modo, indignação entre um considerável número de partidários dessa religião”.
A promessa feita pelo governo de um referendo sobre a lei foi desrespeitada, apesar do então primeiro-ministro, Enda Kenny, ter concordado que era necessário. A omissão indignou ateus e leigos irlandeses. Michael Nugent, presidente da organização Atheist Ireland, acredita que leis de blasfêmia são inimigas da liberdade de expressão e considera a negligência em relação à realização do plebiscito “uma traição”.
Numa entrevista com Ryan McChrystal, editor assistente do site da Index on Censorship’s [organização sem fins lucrativos cujo objetivo é de promover a liberdade de expressão], Michael Nugent afirmou que a lei é tão “ridícula e idiota” que as tentativas feitas pela organização que preside de ser processada publicando declarações com blasfêmias contra todas as principais religiões foram ignoradas.
Em outras palavras, as autoridades não querem parecer idiotas exigindo o cumprimento da lei. Daí, caberia perguntar: então, para que preocupar-se?
Ignorar a lei significa esquecer que algum dia alguém a possa usar
Ryan McChrystal adverte que a existência da lei num país europeu, membro da União Europeia, representa “um exemplo para outros no exterior”. Torna mais difícil argumentar contra leis de blasfêmia em outros países. Por exemplo, a Organização de Cooperação Islâmica – que conta com 57 Estados associados – cita a lei da Irlanda como a melhor prática e até propôs que fosse adotada ao pé da letra, para limitar os direitos humanos de liberdade de consciência.
Como observa Ryan McChrystal, essa organização “é liderada pelo Paquistão, um país em que uma mulher cristã, Asia Bibi, está aguardando a execução por ter bebido da mesma água que seus vizinhos muçulmanos” e, dessa forma, ter insultado o profeta. E ele conclui: “Se alguma coisa deveria abalar o povo irlandês de sua complacência nesta questão seriam os exemplos de abuso, tanto domésticos quanto no exterior. Ignorar a lei porque no momento ninguém a está usando significa estar esquecendo que algum dia, alguém o possa fazer.”
Em tempo: o artigo de Ryan McChrystal, “Beyond belief” [“Para além das crenças”], pode ser encontrado em sua versão impressa na última edição de Index on Censorship.
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Roy Greenslade é professor de Jornalismo e tem um blog no Guardian