Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais conservadores atacam Primeiro Ministro conservador

Os jornais britânicos de direita estão obcecados com a chamada “questão Brexit” (termo que alude a uma possível saída da Grã-Bretanha da União Europeia; o primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, promete que se ganhar as eleições que serão realizadas no dia 7 de maio de 2016, ele renegociará a filiação do Reino Unido à UE e realizará um referendo antes do fim de 2017) e seus jornalistas ficam mais enfurecidos a cada semana que passa.

O principal alvo para essa fúria é o primeiro-ministro. E, na maioria dos casos, a principal preocupação é em relação à imigração. David Cameron vem recebendo cada vez mais críticas por parte de jornais que apoiam o Partido Conservador devido às suas negociações com a União Europeia. E há muitos parlamentares de seu partido que vêm ajudando e instigando os jornais – alguns, em público, e vários reservadamente – na medida em que procuram influenciar os rumos do debate.imprensa britancia UE

Suas declarações, sejam elas abertas – como aquela feita pelo ex-secretário da Defesa Liam Fox – ou ocultas, constituem o fundamento das matérias jornalísticas dos últimos dias. Entretanto, os colunistas políticos vêm competindo com os jornalistas de maior destaque para ver quais deles conseguem constranger mais o primeiro-ministro.

Na segunda-feira (21/12), o Times divulgou na primeira página que o primeiro-ministro estava emaranhado numa batalha com ministros céticos em relação à Europa devido às suas tentativas de garantir restrições de bem-estar a migrantes europeus.

O Daily Telegraph esparramou uma denúncia de que o primeiro-ministro já preparou um “dossiê” para distribuir aos eleitores antes do referendo do ano que vem, explicando “por que devemos continuar na União Europeia”.

O Daily Express pegou carona na matéria do Telegraph, referindo-se a ela como um indício de que Cameron estava desesperado. A segunda página do jornal tinha como destaque uma matéria cujo título era: “Vamos fazer uma campanha pela saída da UE ou desistimos, advertem ministros ao primeiro-ministro”.

E o Daily Mail também seguiu esse caminho: “Deixem os ministros fazer campanha para sair da UE ou eles desistem”. No editorial, repetia a mensagem: “Cameron deve tirar a mordaça da boca de seus ministros céticos em relação à Europa”.

Dê-nos um argumento positivo”

Jornais que não apoiam os conservadores tinham matérias semelhantes. O Metro divulgou que consta que Iain Duncan Smith, Chris Grayling e Theresa Villiers “estão prontos a deixar o gabinete [do primeiro-ministro] se forem impedidos de se juntarem à campanha pela ‘saída’”.

A matéria do Guardian dizia que “a maioria dos parlamentares conservadores tende a votar na saída da UE pela Grã-Bretanha”. E o colunista Matthew d’Ancona avaliou que a intervenção de Liam Fox foi um ponto decisivo “na batalha de Brexit [a saída do Reino Unido da UE]”.

Mas a paixão acalorada no debate foi criada pelos jornais de direita. O editorial do Telegraph argumentava que “Cameron incita à rebelião ao decidir que será enviado um documento a todos os eleitores, antes do referendo, aconselhando-os sobre os benefícios da filiação à UE”. E instava o primeiro-ministro a permitir que seus ministros “fizessem campanha da maneira que quisessem”, dizendo que ele não deveria “dar a impressão aos céticos em relação à Europa que o resultado mais provável seria contra eles”.

O Sun, com um título generalizante – “qual a posição dos principais conservadores na questão da saída da UE” –, concordou: “Cameron deve parar de enganar a nação e permitir que todos possamos, inclusive seu gabinete, debater adequadamente o futuro do país.” O jornal foi mordaz em relação à renegociação, dizendo que “ficou abaixo de nossas piores expectativas. Ele não reivindicou praticamente nada e vai levar ainda menos…” “As prováveis concessões que ele conseguirá em nada irão mudar a nossa situação ou a capacidade de controlar a imigração.” O jornal avaliou que Liam Fox “fez muito sentido para o lobby que apoia a saída” e os céticos em relação à Europa do gabinete devem se sentir livres para fazer o mesmo.

O Sunday Times, colega do Sun na corporação News Corp., está tão envolvido na questão que publicou seis artigos sobre o tema: uma matéria mais longa, “A crise dos migrantes de Cameron”, um editorial, “Fique ou saia da Europa: dê-nos um argumento positivo”; uma matéria sobre a declaração de Liam Fox em defesa da saída da UE, e mais uma coluna pelo próprio Fox e outras por Dominic Lawson e Adam Boulton.

Onde ficam os trabalhistas no debate

Embora de maneiras distintas, todos disseram praticamente o mesmo: Cameron está envolvido numa falsa negociação que não fará diferença alguma para a relação da Grã-Bretanha com a UE e em nada irá afetar as preocupações desses eleitores, inquietos com os números da imigração. O editorial do Sunday Times repetia a posição em relação ao referendo da UE: o jornal não se deixou convencer por nenhum dos lados. Mas a imparcialidade do Sunday Times também não é muito convincente.

O editorial deu pleno poder à polêmica de Liam Fox: a Grã-Bretanha deve enfrentar a questão sozinha e – e deve evitar a via de mão única da UE para a integração. Na comparação que Fox fazia, Cameron ia fazendo “mendicância política, passando a tijelinha pelas capitais europeias” durante o processo de negociação. Escreveu que a UE estava “numa situação de crise permanente”, mas isso era irrelevante – assim como era a tentativa de reforma de Cameron – porque, para ele, “tudo se resume a uma mera questão de soberania”. “As leis britânicas deveriam ser feitas por aqueles que o povo britânico considera responsáveis, e não por outros.”

Dominic Lawson criticou Cameron pelo fundamento de sua promessa de referendo. Escreveu: “Durante os últimos três anos, esta coluna argumentou que o primeiro-ministro acharia impossível negociar mudanças significativas nos termos da filiação da Grã-Bretanha à UE. À medida que essa verdade se tornava cada vez mais evidente, Cameron passou de uma missão impossível para uma missão inconsequente.”

Dois colunistas do Sunday Telegraph, céticos em relação à Europa, entraram na briga com textos inteiramente previsíveis. Janet Daley escreveu que não havia coisa alguma “nas propostas de Cameron por uma nova relação com a UE que não fossem palavras ao vento” e que “todos os disparates sobre uma nova relação com a UE são só besteira”.

E Christopher Booker, desprezando a “bolsinha de trapos” com as “reivindicações” de Cameron, apontou para os futuros planos da União Europeia para mudanças no acordo no sentido de efetivar “uma reorganização radical da UE em dois grupos”.

Escrevendo no Mail on Sunday, Peter Hitchens qualificou a busca de Cameron de “um tratado inatingível. A busca mais desesperada desde O senhor dos anéis”. “E ele não vai ser salvo por mago algum, ou duendes, ou florestas andantes, ou águias gigantes ou exércitos fantasmas.”

E onde ficam os trabalhistas neste debate?, perguntou Jane Merrick, do Independent on Sunday. Em sua opinião, a atual posição do partido corre o risco de ajudar a Grã-Bretanha a sair da UE. O líder do partido, Jeremy Corbyn, “é conhecido por ser cético em relação à Europa”, escreveu ela, apesar de sua promessa de fazer campanha em favor de continuar na UE. Ela acha que os parlamentares trabalhistas simpáticos à União Europeia deveriam fazer “da filiação à UE um caso encerrado”.

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Roy Greenslade é professor de Jornalismo e tem um blog no Guardian sobre política, informações e mídia