Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Neoconservadores pressionam Barack Obama

A ironia da corrida presidencial de 2016 é que a seleção de um novo presidente norte-americano pode não ser a mais decisiva competição política. Na verdade, o grande confronto poderá ser entre Benjamin Netanyahu e Barack Obama para definir quem dirige a política externa dos EUA. É claro que nenhum dos dois é candidato às eleições do próximo ano, mas se Netanyahu conseguir derrubar o acordo nuclear de Barack Obama com o Irã, isso irá ofuscar a campanha dos principais candidatos e também as perspectivas de guerra ou paz.

Não foi a primeira vez que o primeiro-ministro israelense interferiu abertamente na política norte-americana, aliando-se aos contínuos esforços do Partido Republicano para denegrir e menosprezar o presidente dos Estados Unidos. Agindo em conjunto, Netanyahu e o Partido Conservador tentam, no momento, envenenar a opinião pública e sufocar o debate em torno do acordo de Obama e suas implicações a longo prazo.

A ignorância pública é um produto do próprio sistema político, induzido pela cobertura superficial da imprensa. Entre as coisas não explicadas, inclui-se o motivo pelo qual o Irã tem uma hostilidade duradoura para com o “Grande Satã” e entre as questões mais profundas , também inexplicadas, inclui-se o que irá acontecer se Netanyahu sair ganhando. O que está em jogo é maior do que a possibilidade do Irã mudar suas intenções. A questão mais ampla é se os Estados Unidos podem mudar seu papel agressivo na geopolítica mundial.

Desde o início de seu mandato presidencial, Obama tentou, de sua maneira hesitante, mudar a superpotência norte-americana de sua postura militar combativa, no Oriente Médio e em outros lugares, para uma diplomacia de mais paciência. Ao invés de força bruta, ele procurou novas formas de se relacionar com velhos adversários. A tarefa, monumental, é comparável a esquivar-se de um enorme encouraçado em meio a um mar de tempestade.

Advertências sinistras

Se o acordo de Obama for recusado, a porta que leva a maiores restrições e equilíbrio na política externa norte-americana irá fechar-se. A política prática continuaria com um poder de fogo esmagador e o desdobramento da mobilização de tropas de longo alcance para a defesa nacional. E esqueçam-se as belas palavras sobre pacificação.

Por seu lado, os líderes iranianos poderiam chegar a conclusão semelhante. Com o acordo demolido, o Irã poderia sair correndo para desenvolver uma arma nuclear antes que um ataque de Israel visasse à destruição de suas instalações nucleares.

Se for esse o caso, o próximo passo seria de Netanyahu. Como Israel já fez em outras circunstâncias e o próprio Netanyahu já insinuou, Israel poderia tentar aniquilar os mísseis nucleares em potencial do Irã com um único ataque-relâmpago. Bombardeiem-bombardeiem-bombardeiem o Irã, como disse uma vez, brincando, o senador John McCain. E o próximo presidente eleito, ou eleita, teria que decidir se daria apoio a seu aliado de longa data. E não teria muito por onde escolher.

Os cenários de uma guerra simulada desenvolvidos por especialistas em estratégia na década passada não receberam muita atenção nos debates políticos, mas envolvem advertências sinistras. Em 2009, o Centro Saban para Política do Oriente Médio, da Brookings Institution, previu que se Israel agisse por sua conta exclusiva, os Estados Unidos seriam arrastados, contra a vontade, para uma guerra regional maior. O Irã iria contra-atacar disparando mísseis contra o complexo de armas nucleares de Israel e sua população civil, obrigando os Estados Unidos a empregar reforços maciços.

“Podemos mandá-los de volta à estaca zero”

Uma segunda simulação de guerra dirigida pelo Comando Central dos EUA [US Central Command, responsável pela segurança dos EUA em 20 países] (descrita pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais), supunha que o Irã iria presumir cumplicidade dos Estados Unidos no ataque israelense e bombardearia imediatamente um navio de guerra norte-americano no Golfo Pérsico, matando centenas de norte-americanos e provocando uma retaliação dos Estados Unidos. Em seguida iria estourar uma guerra regional.

Os críticos de Obama no Congresso descartam essas hipóteses simuladas, considerando-as altamente improváveis – e talvez tenham razão. Ou talvez estejam tão errados quanto estavam em 2003, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. Não só a estratégia de bombardeios definida como “choque e medo” [shock and awe] tornaria fácil e rápida a queda de Saddam Hussein, diziam eles, como o povo iraquiano iria saudar os soldados norte-americanos como libertadores.

A mesma arrogância vem sendo manifestada atualmente entre simpatizantes republicanos. Quando o presidente advertiu que a guerra era a única alternativa ao acordo que fizera com o Irã, os líderes do Partido Republicano protestaram e exigiram desculpas. Mike Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, acusou o presidente de “intimidação e demonização”.

Nesse meio tempo, Tom Cotton, senador novato pelo estado de Arkansas e veterano da guerra do Iraque, garantiu alegremente aos conservadores que as bombas norte-americanas destruiriam as instalações nucleares do Irã em poucos dias. É verdade, reconheceu, que o Irã poderia reconstruir suas fábricas de armas, mas “nós podemos mandá-los de volta à estaca zero”.

Vinho velho numa garrafa nova

Curiosamente, se Obama perder para Netanyahu, os únicos vencedores seriam os mesmos conservadores que defenderam a desastrosa invasão do Iraque dez anos atrás: o plano de Bush-Cheney-Rumsfeld de controlar o Oriente Médio se transformou numa catástrofe norte-americana. Os seguidores da dupla Bush-Cheney foram completamente desacreditados, desonrados por seus próprios egos inflados e por mentiras premeditadas.

E, no entanto, agora os neoconservadores ensaiam um retorno, buscando sua salvação e vendendo a mesma doutrina de durões que os levou à vergonha. Sem que se lhes desse muita atenção, eles tornaram-se uma força impulsora ao lado do primeiro-ministro israelense em sua campanha para boicotar a abertura diplomática de Obama. Agora, os neoconservadores culpam Obama por seu fracasso no Iraque. Dizem que ele não foi suficientemente duro.

O marketing bélico pouco mudou. Na realidade, alguns dos pretendentes a presidente do Partido Republicano, que agora são instruídos pelos estrategistas neoconservadores, prometem enviar tropas norte-americanas de volta ao Iraque. Apenas destacamentos modestos, é o que prometem. E apenas até que as facções antagônicas no Iraque parem de se matar umas às outras (para sorte deles). Para recuperar sua influência, os neoconservadores compreenderam que tinham que mudar seus rótulos, para não lembrar às pessoas até que ponto erraram antes.

Dei uma olhada nas novas táticas numa coluna recente de David Brooks, do New York Times. Em seu habitual estilo relaxado, Brooks discute uma análise preparada pela ONG Foreign Policy Initiative [que defende o envolvimento dos EUA no mundo], passo a passo, do acordo de Obama com o Irã. O perspicaz colunista concluiu que Obama errou em todos os sete tópicos. Mas o que é a Foreign Policy Initiative? Brooks não o revela. Ocorre que a FPI é composta pelos mesmos apóstolos neoconservadores que nos venderam a Guerra do Iraque. Não é de estranhar que Brooks não os tenha citado.

Vinho velho numa garrafa nova. O Project for the New American Century- PNAC [Projeto para um novo século americano], criado em 1990 como ponto de partida para agitadores neoconservadores, caíra há muito tempo em descrédito absoluto. Então, os grandes pensadores fecham o PNAC e se reacondicionam com um título morno. Mas a diretoria do FPI é composta pelos mesmos caras: William Kristol, editor do Weekly Standard, de Murdoch (e ex-patrão de David Brooks, antes que este fosse para o Times), Robert Kagan, co-fundador do PNAC (e colunista do Washington Post), Dan Senor, ex-porta-voz da Coalition Provisional Authority no Iraque ocupado, durante o governo Bush, e Eric Edelman, o cara da política de segurança nacional de Richard Cheney no Pentágono e na Casa Branca.

Fatos da história contradizem a auto-piedade norte-americana

Kagan vem falando sobre ações militares contra o Irã desde 2004. “Acho que quem pensar que é inconcebível uma opção militar futura no Irã, em algum momento, está cometendo um erro”, declarou. Em 2014, ele escreveu uma convocação à batalha no New Republic num artivo com o título “Superpotências não se aposentam”.

Procurando na internet, encontram-se neoconservadores movendo peças para tentar eleger um republicano suficientemente beligerante em 2016. Um novo grupo, por exemplo, que se autodenomina John Hay Initiative, vem instruindo os candidatos do Partido Republicano sobre política externa. Alega ser apolítico, mas seus três “instrutores” são neoconservadores. Além de Eric Edelman, Eliot Cohen, ex-assessor do subsecretário de Defesa de Bush, Paul Wolfowitz (Cohen sustenta que foi o primeiro dos neoconservadores a defender uma guerra contra o Iraque e o Irã), e o advogado Brian Hook, que adverte que uma política externa fraca “sempre implica um alto preço”. Esses três dizem que já escreveram discursos para Carly Fiorina e Chris Christie, e assessoraram Jeb Bush, Scott Walker, Marco Rubio, Rick Perry, Ted Cruz, Lindsey Graham e vários outros. Até agora, só Rand Paul e Donald Trump não apelaram para as crenças inquestionáveis e argumentos sem exame crítico dos neoconservadores.

Os neoconservadores começaram a se sentir melhor depois das eleições de 2014, quando o Partido Republicano ficou com a maioria dos senadores. William Kristol disse que sentia “mais disposição para repensar” o dogma neoconservador, que foi, “até certo ponto, justificado” pela suposta fraqueza de Barack Obama. A Foreign Policy Initiative – FPI realizou uma conferência em dezembro, após a eleição, chamada “Um mundo em crise”, com almas gêmeas expressando suas preocupações. Os palestrantes incluíram Robert Kagan, o senador Bob Corker, que hoje é presidente da Comissão de Relações Exteriores e lidera a oposição ao acordo com o Irã, Fred Hiatt, chefe da seção de editoriais do Washington Post, e os senadores John McCain, Ted Cruz e Tom Cotton.

Apesar das mentiras e fracassos espetaculares, a fantasia neoconservadora ainda atrai muitos cidadãos porque manipula as emoções patrióticas imbuídas no espírito norte-americano: o medo de outros distantes e o nosso sentimento nacional de inocência ferida. Por que é que os outros nos odeiam quando só estamos tentando fazer o bem ao mundo? Para responder a essa pergunta a seu gosto, exige-se dos pensadores neoconservadores que apaguem importantes fatos de nossa história que contradizem a auto-piedade norte-americana.

Hora de deixar o passado para lá

Voltando a David Brooks, o fato é que seu estilo supostamente relaxado é um modelo de como os neoconservadores enganam os leitores por meio de evasivas desavergonhadas. Depois que sua coluna avalia exaustivamente o acordo com o Irã de uma maneira neutra, ele conclui com uma propaganda audaciosa. O Irã, anuncia ele, é dirigido por “um regime fanático, hegemônico e cheio de ódio”. No momento em que seus leitores aceitarem estas afirmações como verdadeiras, não há mais o que discutir.

Só que os líderes iranianos dizem quase a mesma coisa a nosso respeito. E se Brooks tivesse investigado um pouco mais profundamente, sua condescendente propaganda teria encontrado contradições em fatos sangrentos de que muitos norte-americanos nunca ouviram falar.

Em agosto de 1953, a CIA organizou um golpe em Teerã que derrubou o primeiro-ministro, Mohammad Mossadegh, depois que ele nacionalizou os imensos campos de petróleo do país, na época controlados pelas principais empresas de petróleo norte-americanas e britânicas. Mohammad Reza Pahlevi foi instalado no poder como um fantoche norte-americano e governou o Irã por um quarto de século, mantendo os dissidentes sob controle por meio da Savak, sua brutal polícia secreta.

Um editorial do New York Times de agosto de 1954 fez a descrição dos benefícios deste ato de imperialismo norte-americano:

“Por mais cara que seja a disputa pelo petróleo iraniano para todos os envolvidos, talvez a aventura se mostre vantajosa, se forem tiradas as devidas lições. Países subdesenvolvidos com riqueza de recursos têm uma lição do pesado custo a ser pago quando um deles age enlouquecido pelo nacionalismo fanático.”

A revolução que derrubou o xá, em 1979, instalou um governo reacionário de clérigos islamitas, e não os comunistas temidos pelos estrategistas da Guerra Fria, de Washington, em 1953. Note-se a irônica semelhança nas acusações norte-americanas: o Times advertiu contra o “nacionalismo fanático” do Irã em 1954; seis décadas mais tarde, um colunista do Times adverte-nos para o perigo do “regime fanático, hegemônico e cheio de ódio” do Irã.

Como sugere Barack Obama, talvez seja a hora de deixar o passado para lá.

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William Greider é jornalista e escritor.