Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os dilemas editoriais da imprensa francesa após os atentados

O estampido de balas de Kalashnikov e AK-47 ainda ecoava no interior da casa de espetáculos Bataclan quando emissoras de rádio e televisão começaram a ocupar o boulevard Voltaire e suas imediações para promover a cobertura imediata dos incidentes de sexta-feira (13 de novembro de 2015) em Paris. Na rue de Charonne, na rue de la Fontaine-au-Roi e no encontro das ruas Allibert e Bichart a chegada de jornalistas também foi rápida. No Stade de France, em Saint-Denis, onde o presidente François Hollande acompanhava o amistoso França versus Alemanha, camicases foram flagrados e sua atuação foi transmitida em tempo real.

Não demorou para que todos esses acontecimentos do 11 de setembro francês monopolizassem as redes sociais e os sites de informação. #Pray for Paris virou mantra no Twitter. “La terreur à Paris” tomou conta de muitos blogs de jornais e jornalistas. Mas às redações de jornais impressos se afirmaram impasses.

Jornais de importância, como Le Monde, Libération, Le journal du Dimanche e Le Figaro não circularam com informações quentes aos domingos. Todos eles praticam a édition du week end, que em muitos casos chega às bancas na sexta-feira à tarde, caso o Le Monde, ou no sábado pela manhã, caso dos demais.

Quando os incidentes começaram a partir das 21h20 de sexta-feira, a maior parte das edições já estava finalizada ou publicada e as redações dos jornais hibernavam em stand by. Era bastante provável que somente a redação de Le Parisien, diário de segunda a segunda, conseguisse – como o fez – ainda fazer imprimir informações sobre o atentado em sua edição de sábado, 14/11/2015. Mas, de imediato, praticamente todos os jornalistas dos demais jornais foram retirados de sua folga sabática para produzir edições especiais que circularam no domingo.

A perplexidade nas páginas dos jornais

Entretanto. desde sexta-feira o presidente da República recomendava às pessoas que não saíssem de suas casas. Em casa e sob choque, a maior parte dos franceses continuou acompanhando o avançar das informações por rádio, televisão e redes sociais. Os jornais impressos teriam pouco a noticiar ou informar. Nessas circunstâncias a saída dos jornais foi tentar imortalizar o momento. O Libération emulou a New Yorker do imediatamente após os atentados de 11 de setembro de 2001 e trouxe sua primeira página totalmente escura, em demonstração de luto. Le Monde e Le journal du Dimanche fizeram fotos de corpos pelo chão suas capas. Le Figaro estampou fotos das primeiras homenagens às vítimas do atentado. A revista L’Express projetou uma edição especial que saiu em formato tabloide e estampou sua capa com a foto de um dos sobreviventes saindo do Bataclan.

A experiência da cobertura dos incidentes de 7 de janeiro de 2015 contra o Charlie Hebdo foi muito instrutiva para a imprensa francesa. Os assassinatos daquela ocasião ocorreram numa quinta-feira no fim da manhã. O dia e o horário permitiram uma cobertura densa e compassada nas páginas dos jornais do dia seguinte concorrendo com a cobertura em tempo real de rádio, televisão e redes sociais. Mas seu impacto foi relativamente passageiro.

As edições especiais saídas no dia 15 de novembro de 2015 após a overdose de informações emitidas ao público desde sexta-feira (13/11) à noite foram fartas de senso comum, escárnio e incompreensão. Tudo que o leitor precisava e desejava era ver sua própria perplexidade estampada nas páginas dos jornais.

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Daniel Afonso da Silva é pesquisador no Ceri-Sciences Po de Paris