A Igreja Católica vem conquistando a manchete dos principais veículos de comunicação do país. Recentes e polêmicas declarações têm movimentado a opinião de católicos e não-católicos. Dogmas pré-estabelecidos ainda no Império Romano nos fazem refletir a respeito do papel desta importante instituição religiosa em nossos novos tempos.
As singulares discussões tiveram início com maior intensidade no início de março, quando o arcebispo da diocese de Olinda e Recife, José Cardoso Sobrinho, excomungou todos os envolvidos em um aborto de uma menina de nove anos [o fato: a criança ficou grávida depois de ter sido estuprada pelo padrasto e, segundo os médicos, a menina não tinha condições físicas de dar continuidade à gestação].
Especialistas afirmaram na ocasião que a decisão de José Cardoso foi no mínimo precipitada, já que o religioso não teria levado em conta um dos principais valores da Igreja, a misericórdia. Imediatamente à decisão, o Vaticano publicou uma resposta. O artigo é assinado pelo presidente da Pontifícia Academia para a Vida, o arcebispo Salvatore Rino Fisichella. Ele diz, sobre a menina de nove anos: ‘Antes de pensar em excomunhão, era necessário e urgente salvaguardar sua vida inocente, devolvendo a ela um nível de humanidade, da qual nós, homens da Igreja, deveríamos ser os anunciadores e mestres.’ O monsenhor Fisichella afirma ainda que os médicos merecem respeito profissional e que atuaram em defesa da vida da menina.
‘Forte presença na mídia’
Dias depois outra declaração polêmica foi propagada pelo menor país do mundo. Um longo artigo publicado pelo jornal L´Osservatore Romano, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, disse que a máquina de lavar talvez tenha feito mais pela liberação da mulher no século 20 do que a pílula anticoncepcional ou o acesso ao mercado de trabalho. O título era ‘A Máquina de lavar e a liberação das mulheres – ponha detergente, feche a tampa e relaxe’. ‘O que no século 20 fez mais para liberar as mulheres ocidentais?’, questiona o artigo, escrito por uma mulher. ‘O debate é acalorado. Alguns dizem que a pílula, alguns dizem que o direito ao aborto e alguns (dizem que) o direito a trabalhar fora de casa. Alguns, porém, ousam ir além: a máquina de lavar.’
Já o papa Bento 16, em recente visita à África, afirmou que a Aids ‘é uma tragédia que não pode ser superada com o dinheiro e nem com a distribuição de preservativos, os quais podem aumentar os problemas’. Conforme relatório anual do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, existem no mundo aproximadamente 33 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids. A África sub-saariana é a área mais afetada, com aproximadamente dois terços do total mundial (22,5 milhões de pessoas); desse número, três quartos são do sexo feminino. A região também concentra 76% das mortes pela doença.
Os jornais, o rádio, a televisão e principalmente a internet tornaram-se fontes democráticas de informação. Os fatos são propagados pelo mundo em razão de segundos.
Antes, as declarações da Igreja não chegavam ao conhecimento da grande audiência; hoje, pequenas ações ganham com facilidade a pauta principal dos veículos de mídia. A globalização e a informação como fonte de sobrevivência do mundo moderno fizeram com que a Igreja perdesse o controle. Manoel Jesus, professor da Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas, em um artigo sobre o papel da mídia ao divulgar a religião, explica de que forma esta mudança aconteceu. ‘Durante muito tempo, a Igreja Católica deteve o maior de todos os meios de comunicação que se tem conhecimento na História: o púlpito. O lugar de onde se fazia a pregação também era o lugar de onde partiam as orientações, os anátemas, as boas e as más notícias. A partir da metade do século passado, quando a sociedade, gradativamente, deixou de ser rural, para ser iminentemente urbana, este eixo também se deslocou e a Igreja não soube encontrar o seu lugar. Acreditou que, mesmo na periferia, continuaria a exercer seu poder de sedução e atração. Enganou-se: competindo com a sua pregação, além dos meios de comunicação, surgiram outros credos religiosos, que aliaram ao púlpito uma forte presença na mídia.’
Internet não deve ser desprezada
Até podemos concordar que a modernidade tem chegado a pontos extremos. Busca-se em muitos casos uma liberdade que vai de encontro aos princípios morais de uma sociedade civilizada. Mas isso não significa que nossas leis, divinas ou não, devam ser congeladas. É preciso buscar adaptações.
Carlos Alberto Faustino é um católico como inúmeros de nós, brasileiros, e se diz confuso com tantas polêmicas. ‘Penso que a Igreja deve buscar um equilíbrio, afinal o mundo mudou. Novas culturas surgiram e, portanto, novos hábitos foram incorporados ao nosso cotidiano. Agora entendo também que é difícil abrir mão da palavra. Como desdizer o que Deus nos pregou? Os homens religiosos não podem nos dizer que agora isso pode e isso não pode. É uma forma de questionar as leis divinas. A Igreja está em uma situação extremamente difícil.’
A Igreja Católica, apostólica e romana, novamente se encontra diante de um desafio: o surgimento de novas mídias e de novas tecnologias (renovando as já existentes) desafia a que se pense a respeito de uma realidade presente, para a qual temos um lastro de reflexão, mas faltando a prática.
A perspectiva de que a internet seja ‘popularizada’ a curto ou médio prazo praticamente não existe. Os números de acesso, hoje, no Brasil, não chegam a 15% da população. No entanto, ela não pode e não deve ser desprezada, pois é acessada e acessível a uma parcela da população que é conhecida como multiplicadora de informação.
Adaptar-se aos novos tempos
Medidas conservadoras talvez sejam o principal motivo para o avanço de outras religiões. Mesmo assim os cristãos ainda continuam supremos entre os mais diversos povos. Um total de 17,4% da população mundial é católica, contra 19,2% que é muçulmana, indicou monsenhor Vittorio Formenti, responsável do Anuário Pontifício do Vaticano. No entanto, quando se somam todos os cristãos (católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes), a porcentagem alcança 33% da população mundial. A população brasileira é majoritariamente cristã (89%), algo em torno de 155 milhões. O protestantismo é o segundo maior segmento religioso do Brasil com, aproximadamente, 26,2 milhões de pessoas (15,4% da população), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
Com trabalhos dedicados ao catolicismo há mais de 30 anos em comunidades como Canção Nova e TV Aparecida, Maria Lúcia Salgado acredita que a Igreja precisa adquirir uma nova visão, colocar a mídia ao seu lado, como aliada, e não como inimiga. ‘Diariamente vou a missas, trabalho com entidades carentes e participo de grupos de oração aqui no Vale do Paraíba. A Igreja não pode deixar de se atualizar, mas isso não significa que os valores e as hierarquias criados por Deus sejam destruídos. Adaptar-se a estes novos tempos significa construir um diálogo entre a instituição e seus fiéis. É preciso divulgar notas esclarecedoras, promover conversas, como as que temos com nossos filhos. Se você precisa falar, alguém tem que estar disposto a te ouvir. Faz-se necessário renovar a catequese, ter um interesse maior pelo rebanho. Essa mudança por vir junto à mídia que hoje exerce um poder incondicional sobre as sociedades.’
Para mudar a realidade criada, as religiões se posicionaram, usando a comunicação como um recurso fundamental. No caso da Igreja Católica, no século 15 o papa Inocêncio 8 escreveu o primeiro documento sobre a mídia, o Inter Multiplices, exigindo censura para as publicações, pois afirmava que muitas idéias contrárias à fé e aos bons costumes estavam sendo difundidas na sociedade. Desde então os ideais não mudaram, talvez adaptar-se aos novos tempos seja a melhor forma de manter a cruz entre os povos.
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Jornalista, Pindamonhangaba, SP