Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Uma revista ‘prosélita’

Galileu foi um dos criadores do método científico e por isto entrou para a história. Não se destacou como um homem de fé, cuja crença não aceitou ir até a morte confiando na recompensa do outro mundo por ela. Abdicou de defender a verdade em troca dos últimos dias de vida materialista nesta Terra.

Assim, faz sentido que uma revista que se pretenda ser científica não use o seu ‘santo’ nome em vão. Articulista eventual do OI, Michelson Borges, em 9/12/2008, (Superinteressante & GalileuFestival de parcialidade) já criticava isto, mas trocando a visão. Queria sobre a bíblia uma visão despudorada que a revista ‘científica’ Galileu fazia com o espiritismo.

A nova era do espiritismo

Novas influências estão reinventando a doutrina no Brasil. Mas será que o fruto dessa metamorfose ainda pode carregar o nome da corrente criada por Allan Kardec há 150 anos?

Pablo Nogueira, Edição 209 – Dez de 2008

O homem de Abadiânia

Quem é João de Deus, o médium brasileiro que atrai legiões de fiéis de todo o mundo com suas supostas curas espirituais

Pablo Nogueira

Fotos: André Schneider, Edição 209 – Dez de 2008

Mostrar proficiência

Ao contrário da matéria anterior que ele critica, esta foi bem aceita pelo nosso jornalista: ‘Fé utilitarista – Razões para crer)

Como a fé influencia sua vida

A cura de doenças, o sucesso no trabalho, a felicidade no amor, a inspiração, a solução da crise e o sentido da vida dependem de sua fé.

por Edmundo Clairefont, Edição 213 – Abr de 2009

Ao contrário de revistas acadêmicas e que prezam a tradição científica, a editoria da Galileu há muito trocou a seriedade pela publicidade. Revistas de cunho sério procuram em seus autores a formação capacitada para o que escrevem e procuram manter uma coerência com as matérias que publicam e a sua relação com a verdade e o mérito científico. Editores de revistas científicas devem divulgar regularmente declarações sobre conflitos de interesse em potencial relacionados a compromissos da equipe da publicação. Já tivemos inúmeras revistas que nunca deram bola para isto. O inusitado seria uma que divulgasse no meio leigo, aquilo que Maurício Tuffani defende que venha da Torre de Marfim, o estudo sério visto dentro das academias e centros científicos.

Não causa estranheza, portanto, que Galileu aceite matérias de jornalistas desqualificados cientificamente para o tema da revista: o jornalista Edmundo Clairefont. Procurando o seu chão, vemos nas entrevistas e matérias a que o mesmo se dedica, nenhuma relacionada com a seriedade que esta revista pretendia um dia ter. Sendo jornalista é o que basta para a revista aceitar a matéria. Ás favas com a qualidade. Colocando algumas vezes o nome cientistas e ciência é o que basta para o editor aceitar o proselitismo que vende bem, mesmo que seja mentira, irracional, ou sem nenhuma visão crítica da ciência. Não estou diminuindo o jornalista como pessoa, mas uma revista de divulgação de ciência não é sobre pessoas ou opiniões pessoais, mas sobre esta matéria diversa das demais e que o profissional deve mostrar proficiência sobre o tema.

Acreditou, levou

Já se vai o tempo que exercia o senso crítico e perseguia alguma pretensão de seriedade e fundamento científico: O que aconteceu depois da Páscoa

Para criar uma religião mundial, o Jesus libertador do povo judeu foi transformado no Filho de Deus e ganhou o nome de Cristo

Maurício Tuffani (http://galileu.globo.com/edic/117/rep_cristianismo.htm )

Laudas Críticas

O aniversário do ‘inventor’ do cristianismo

A desqualificação do jornalista Edmundo Clairefont é tão grande em termos de conhecimento científico para escrever a matéria que ele se baseia no capelão de 45 anos que, há 17 anos percorrendo todos os dias as alas do complexo do Hospital das Clínicas, onde fica o In-Cor, e sua devoção ao irracional. Este, alega o jornalista, relata de 2000 para cá a existência de cerca de seis mil trabalhos ‘científicos’. Mas quem está financiando estes trabalhos e pesquisadores crédulos e com que objetivos? Quem compra jornais, revistas, rádios e televisões para, pelo poder econômico, fazer seu proselitismo na sociedade.

Assim como atribui à fé um resultado inacreditável, contrário aos dados históricos e aos fatos da vida. Eleva um comportamento irracional mais benéfico do que o uso da razão, da qual nos distinguimos dos animais chamados irracionais. A fé, nos garante nosso jornalista, afiança a felicidade, a prosperidade, o sucesso no amor, na saúde, no emprego, na guerra… Basta ter fé no Bule de Chá Sagrado [Kamariah Ali, de 57 anos, fundadora da Seita, foi detida pela terceira vez pelo mesmo ‘crime’: a apostasia, isto é, abandonar a fé islâmica. Parece que para ela a fé não funcionou como prometido pela revista.E ainda tem filósofos que alegam existirem moderados] ou em Anúbis, que a felicidade e a saúde estarão garantidas sem medo de errar. Não existe, garante nosso jornalista na matéria, relação com o que se acredite. Não existe virtude no que se acredite. Tudo é igual. Tudo funciona. É só abandonar a razão e o discernimento que as dádivas logo serão sentidas pelo crente. Ela independe do conhecimento humano, de conhecer alguma coisa da realidade, do uso de medicamentos ou da higiene. Acreditou, levou. Tenha fé, ordena a matéria da capa.

‘Fé supre deficiências’

Tudo aquilo que aprendemos, o entendimento do funcionamento da natureza, da agricultura, das estações do ano, da biologia e da medicina são supérfluos perto das vantagens da crença irracional, pois com ela tudo passa a obrar a contendo. A crise econômica atual, nos garante tal raciocínio, foi apenas uma vacilação da fé humana, e não o uso irracional da economia. Todos os milhões de desempregados foram incrédulos. Todo aquele tempo utilizado fugindo do saber investindo em cultivar coisas irracionais pela fé será melhor retribuído em riqueza e sucesso, nos garante a revista. ‘Não importa a religião – ou a falta de. Basta crer.’ Basta ser irracional como os animais e a felicidade virá. É uma espécie de ‘Baú da Felicidade’ de quem compra as atitudes irracionais.

Eu acho incrível que o nosso jornalista Michelson Borges tenha aceitado uma coisa destas, que a mim parece um disparate sem tamanho, e uma prova de que a fé é uma das piores conselheiras possíveis. E que a sua fé de adventista não passa de uma abordagem irracional apenas. Jornalista (formado pela UFSC) e editor da Casa Publicadora Brasileira. É autor dos livros Nos Bastidores da Mídia, Por Que Creio, A História da Vida, entre outros. Mestrando em Teologia pelo Unasp. Na verdade não um jornalista de verdade, mas um prosélito a mais. (Eu acho, mas ele luta para impor a sua verdade de fé sobre as outras. Deveria imaginar que ela é um pouco diferente do que ser judeu ou hindu). Uma tolice muito grande dita e pregada pelo jornalista anticientífico da Galileu. Pela sua afirmação, não é a transfusão de sangue que importa, é a fé que se tenha em alguma coisa. Se a pessoa for testemunha de Jeová, não precisa deste recurso terapêutico. Cientistas descrentes não conseguirão pousar um robô em Marte se não tiverem fé. Coisa facilmente conseguida por pessoas que, sem conhecimento, tenham muita fé. Faz sentido para você? Ou as pessoas podem se comunicar pela fé dispensando carregar um celular. Se transportarem de um lugar a outro sem contarem com um avião. Evitarem a ocorrência de um tsunami ou não morrer nele apenas pela sua fervorosa e sincera fé. O que faltou para os moradores de Pompéia, mais fé, crerem no judaísmo, no cristianismo ou no islamismo, ou informações sobre vulcanismo? O que faltava aos leprosos e epiléticos da Bíblia, fé ou conhecimento e medicamentos? ‘A fé é o instrumento superior de conhecimento. Ela supre as deficiências da ciência’ Raul Marino Jr. neurocirurgião entrevistado pelo Edmundo Clairefont. Alguém pode concordar que ela supriu ou agiu?

Benefícios da devoção

Parece que a fé do editor, do jornalista, permitiu que publicassem uma baboseira irracional e falsa confiando na falta de crítica e formação dos seus leitores. Deve ter vendido bem. Os entrevistados foram apenas três crédulos.

A igualdade de valor da fé independente da sua mensagem desmoraliza Cristo e o cristianismo. Cristo criticava os ricos, que pela nova teoria da fé proposta pela revista, é o segredo do sucesso, da felicidade, da vida mansa, da sorte no amor. Justamente aqueles que Cristo disse que não entrariam no reino dos céus! Os que, pelo sucesso da fé da Galileu, viviam na camada dos bem sucedidos judeus em Jerusalém. Desmente Buda, pela qual a vida é um sofrimento sem fim, e que se deve abdicar da vida para não sofrer e terminar a repetitiva reencarnação pela iluminação atingida. Todos os problemas que experienciamos em nossa vida diária se originam da ignorância e a prática do Darma é o método para eliminá-la. Agora, o irracional, alega a matéria, traz felicidade e sucesso. Ignorar que os Dalits – também conhecidos por intocáveis – não atingirão nesta vida este sucesso prometido na revista pela fé. A fome não é a falta de comida, o resultado de secas ou chuvas e granizo: é falta da fé em algo irracional apenas. O aquecimento global está equacionado. Fé no Bule e que tais… solucionam.

O sucesso norte-americano nas ciências, na economia e na guerra se deve a fé, e a pobreza de grande parte da Índia deve ser explicado pela falta da mesma por aquela população? Apesar de existirem milhares de templos a mais naquele país. Populações pobres são descrentes e não obtém os benefícios que a devoção ao irracional pode dar aos bem sucedidos e felizes.

Quem partilha delírio, não o reconhece

Mas a fé é instrumento superior de conhecimento? A história da humanidade descarta esta afirmativa. A fé, por ser irracional, afugenta da razão. É o principal instrumento do charlatão e do curandeiro. Pessoas deixam de se tratar, procurar curas existentes, na busca de métodos falsos e milagrosos ao redor do mundo. Homeopatia, curandeiras, rezadeiras, medicamentos mágicos, tratamentos esotéricos enquanto doenças curáveis e tratáveis progridem e se agravam. O irracional sempre será irracional, e mal conselheiro sempre. Só ao acaso poderá acertar.

O neurocirurgião Raul Marino Jr. cita Emile Durkheim (1858-1917) para alegar que a fé é um elemento protetor da vida. Deve se referir a do crente, e não a sua freqüente vítima na história. Mas deixou de lembrar de Freud, que não concordaria. E nem com a história do século 20. Uma experiência que chama atenção neste caso é que nos países comunistas não ocorria um número maior de suicídios. E que tantos os soldados do exército vermelho, os soldados e guerrilheiros que participaram da grande marcha, ou os guerrilheiros cubanos, não deixaram de ser heróicos e de sacrificarem as suas vidas em luta pela sua causa por altruísmo. Os nossos internados em clínicas psiquiátricas e tentativas de suicídio não se restringem aos ateus. Assim como internados em hospitais gerais ou em penitenciárias.

Esta suposta ‘necessidade’ das massas que leva Maximilien Robespierre (1758-1794) a criar uma religião sem Deus, a Convenção Nacional, pressionada por Robespierre, proclamou o culto ao Ser Supremo como religião oficial. Assim como o positivista Augusto Comte (1789-1857), em criar um culto cientificista. O próprio Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) propõe uma religião de adoração da natureza. Hoje totalmente desmentido pelos milhões de descrentes no mundo que levam as suas vidas sem nenhuma diferença com os crentes.

‘Aquele que tem ciência e arte, tem também religião: o que não tem nenhuma delas, que tenha religião.’ (/ Wer wissenschaft und Kunst besitzt, / hat auch. Religion; / Wer jene beiden nicht besitzt, / der habe Religion) Johann Wolfgang von Goethe citado por Sigmund Freud, na segunda seção de Das. Unbehagen in der Kultur: ‘É desnecessário dizer que todo aquele que partilha um delírio jamais o reconhece como tal’ (O Mal-Estar na Civilização).

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Médico, Porto Alegre, RS