Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Suzana Singer

Pouco afeito a entrevistas, o ex-presidente Lula reuniu, no instituto que leva seu nome, em São Paulo, nove blogueiros simpáticos ao governo e falou por três horas e 28 minutos na última terça-feira.

Lula bateu duro na grande imprensa. Quando lhe perguntaram sobre o porquê do mau humor dos brasileiros com o governo, disparou: “Estamos sendo conduzidos por uma massa feroz de informações deformadas que vai criando um imaginário e formando a cabeça das pessoas”.

O ex-presidente afirmou que a imprensa deveria ser “um pouco mais séria e mais neutra”, que “o noticiário correto está na internet” e fez uma ligação entre os protestos de junho do ano passado e o que ele chama de falta de informação da juventude. “Tem dia que eu fico pensando que o país acabou.”

Aconselhou o governo a responder a todas as críticas, a rebater informações erradas e a ocupar mais vezes a rede nacional de televisão.

O petista defendeu um marco regulatório da comunicação, mas tomou o cuidado de deixar claro que é contrário à censura. “O leitor é o censor deste país. Ele vai censurar o que quiser, não é o governo.”

Lula elogiou os presentes e disse que eles são criticados pela imprensa “mainstream” porque “eles queriam que vocês despejassem na entrevista comigo o ódio que eles despejaram”. Era uma referência a uma entrevista de 2010 concedida também a blogueiros.

Como exemplo desse ódio, citou entrevista ao “Fantástico” no primeiro dia de 2006, quando o escândalo do mensalão estava quente. “Vocês estão lembrados da agressividade do Bial quando ele foi me entrevistar no Palácio? Eu poderia ter levantado e falado ‘Cai fora do meu gabinete!’ Não. Eu falei ‘Vou mostrar para esse cidadão que educação a gente não aprende na escola, a gente aprende no berço’.”

Na verdade, Pedro Bial comportou-se exemplarmente, como um jornalista com independência: fez perguntas bem fundamentadas e incômodas, deixou o entrevistado falar e rebateu o que julgou necessário (http://goo.gl/5u1D6J).

Pela mesma lógica, o ex-presidente não deve ter gostado da manchete da Folha de quarta-feira: “Lula cobra ação de Dilma para melhorar a economia”. O jornal acertou ao destacar a parte em que ele diz que Dilma terá que explicar, na campanha eleitoral, como vai dar uma virada na economia brasileira. “Nós poderíamos estar melhor”, admitiu.

A crítica sutil era o mais notável na fala do ex-presidente, já que a pressão para que se mexa na política econômica está cada vez mais forte. Nem os jornais concorrentes nem os blogueiros deram a devida importância a essa passagem.

O jornal errou, porém, ao noticiar que o ex-presidente convocou o PT a tentar barrar a CPI da Petrobras. Lula não disse isso. “Se for para investigar a Petrobras, vamos fazer. E qual é o fato determinado? Acabou. As pessoas nunca quiseram CPI para nada e agora Nesse aspecto, o PT tem que ir para cima.”

A Folha não reconheceu o erro. “O contexto deixa claríssimo o que ele quis dizer com seu discurso cheio de elipses. A nota da assessoria de imprensa é apenas uma tentativa de confundir as coisas propondo uma interpretação incompatível com a íntegra da declaração”, diz a editoria Poder.

Não adianta inferir o que um entrevistado quis dizer. O jornal deveria ter corrigido a informação, como costuma fazer.

A forma correta de responder aos que acusam a imprensa de ser parcial é fazer o melhor jornalismo: descobrir onde está a notícia, publicar as diferentes versões do mesmo fato, ser crítico sem deixar de mostrar os progressos do país e não titubear na hora de corrigir erros.

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Suzana Singer é ombudsman daFolha de S. Paulo