Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pressa pelo lucro levou a ‘New Republic’ ao impasse

A revista The New Republic, fundada em 1914 e consolidada como um ícone intelectual da imprensa norte-americana, comemorou seu centenário da pior maneira possível: poucas semanas após uma festa de gala para celebrar o marco, veio o pedido de demissão de dois terços da redação.

Comprada em 2012 pelo cofundador do Facebook Chris Hughes, a tradicional publicação chegou a um impasse no início de dezembro, diante do anúncio de que seria remodelada para se tornar uma “companhia de mídia digital verticalmente integrada”. Guy Vidra, o recém-contratado CEO da New Republic, informou à equipe que esta “reinvenção” começaria com a mudança da redação de Washington para Nova York e a redução de vinte para dez edições por ano. O editor-chefe da revista, Franklin Foer, foi forçado a sair – Leon Wieseltier, editor literário há 30 anos, seguiu-o. E, minutos antes do início da reunião que discutiria isso tudo, a maior parte dos repórteres, redatores e editores – 55 pessoas – pediu demissão em um ato de protesto, o que levou ao cancelamento da última edição do ano.

Abaixo, três jornalistas analisam abertamente as causas e possíveis efeitos da crise na New Republic.

>> George Packer, The New Yorker

Em artigo na revista New Yorker, o jornalista e escritor George Packer atribuiu a debandada da New Republic à “incompetência de um magnata da mídia”. Ele se refere a Chris Hughes, que comprou a revista em 2012. Hughes contratou Guy Vidra, ex-diretor do Yahoo! News, para atuar como diretor-presidente da publicação – e isto praticamente diluiu a equipe original da revista.

Packer diz que Hughes nunca soube realmente o que desejava fazer com sua aquisição, e, com isto, se perdeu em diversas decisões, algumas acertadas, algumas equivocadas; refez o design da revista, reestruturou a equipe e alternou entre interferir diretamente no editorial e recuar em suas intervenções.

Em sua tentativa de transformar a revista em uma “companhia de mídia digital verticalmente integrada”, em determinado momento Hughes começou a ficar impaciente com o tráfego do site – que considerava abaixo do esperado – e, com isso, dispensou seus principais editores; segundo Packer, as dispensas foram feitas de forma tão grosseira que boa parte da equipe sentiu-se obrigada a pedir demissão em protesto.

Packer diz que é óbvio que o jornalismo está em crise, mas que a crise nada tem a ver com o trabalho feito pelos jornalistas. Ele diz que startups digitais não estão criando novos formatos de jornalismo, mas sim tentando encontrar um novo jeito de remunerar pelo velho trabalho que profissionais de imprensa sempre fizeram – e aprendendo na prática o quanto isto é difícil.

Ele diz que a crise no jornalismo é, na verdade, uma crise empresarial, e que já está em curso há 20 anos. “Escritores e editores de revistas e jornais vivem sob a sensação permanente de mau agouro, o que leva à queda de autoconfiança no próprio trabalho e a uma tendência a superestimar os novos empreendimentos digitais, ou os novos proprietários digitalmente ricos das antigas empresas”, afirma. Packer diz que, com isso, jornalistas acabam se entregando livremente ao novo sistema das startups, mas que no final acabam sendo traídos por ele.

>> Emily Bell, The Guardian

Em artigo no jornal britânico The Guardian, Emily Bell, diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Escola de Jornalismo de Columbia, escreve que o grande erro de Hughes foi querer competir diretamente com as mudanças ocorridas no Washington Post depois que o jornal foi comprado por Jeff Bezos, fundador da Amazon.

Emily enxerga grande conflito entre a mídia tradicional e as empresas de tecnologia, e observa que a questão é um tanto relevante porque os maiores investidores atuais do jornalismo vêm exatamente de campos externos à imprensa – e isto tanto perturba quanto empolga jornalistas tradicionais. “São os bilionários da tecnologia que estão mudando a imprensa digital, mas será que a imprensa mudará com eles?”, questiona.

Ela lembra que executivos como Chris Hughes, Jeff Bezos e Pierre Omidyar (fundador do Ebay e do projeto de jornalismo First Look Media) foram saudados como salvadores do jornalismo, afinal todos eles têm capital e pedigree empresarial para implementar as mudanças tecnológicas necessárias (e constantes) no jornalismo. Mas aponta que a tensão entre a cultura das empresas de tecnologia e a cultura editorial existe e é muito palpável (a própria Emily discursou, recentemente, sobre a complicada relação entre jornalismo e tecnologia).

A jornalista e professora acredita que faltou a Hughes o mesmo tino de harmonização do jornalismo e da tecnologia que deu um “sopro de vida” ao Washington Post, por exemplo. Ao passo que Chris Hughes e o setor editorial da New Republic pareceram entrar em conflito desde o começo de sua relação, Bezos foi mais sagaz e apenas ofereceu segurança financeira para que Marty Baron, editor-chefe do Washington Post, fizesse seu trabalho. “O foco incansável de Baron deu ânimo à equipe para cobrir pautas importantes com uma velocidade e profundidade que a empresa vinha lutando para atingir apenas alguns anos antes”, observa. “O jornal ainda carece de uma harmonização e estratégia digital agressivas, mas ainda assim já é um progresso”.

Emily diz que o universo da imprensa mudou tanto, que é possível que publicações tradicionais como o Washington Post e o New York Times nunca voltem a ser o que eram, mas que ainda é necessário haver instituições que levem a sério a missão de informar e debater, de relatar eventos e de trocar ideias. “Para chegar lá, o casamento entre proprietários e editores – entre técnicos e jornalistas – tem de aprender a operar sob respeito mútuo. Tecnologia e jornalismo não devem ser duas culturas distintas, mas uma cultura nova e unificada”, conclui.

>> Joe Nocera, The New York Times

O colunista do New York Times Joe Nocera disse que certa vez perguntou a Marty Peretz, ex-proprietário da New Republic, se seu objetivo durante as quase quatro décadas como dono da publicação sempre fora gerar lucro. “Absolutamente não”, foi a resposta. Nocera acredita que esta tenha sido a chave da longevidade da revista.

Ele diz que, embora Hughes tenha recuperado a reputação da publicação para um “jornalismo inteligente, animado e comprometido”, o empresário de tecnologia parece ter se cansado rapidamente de “perder dinheiro”. Hughes já havia deixado claro que a revista não podia se comportar como um projeto de “caridade” e que seu objetivo era transformá-la num “negócio sustentável”. Em outras palavras: ele queria lucrar.

Nocera diz que não vê problema algum nisso. A New Republic mantém uma tiragem de 42 mil exemplares e seu site apresenta tráfego considerável ­– mas nada perto do que Hughes esperava. Ele justifica que foi esta percepção que fez o CEO Guy Vidra meter os pés pelas mãos: Vidra redirecionou totalmente o estilo editorial da revista, chegando a forçar a barra entre os editores para criar reportagens “caça-cliques”, no melhor estilo BuzzFeed.

Nocera conclui então que, diante deste quadro, não é surpresa alguma que boa parte da equipe tenha pedido demissão. “Aquela pequenina revista séria era o oposto do BuzzFeed. E é isso que a equipe mais ama nela. Ou pelo menos era”, escreveu ele em seu artigo para o New York Times.

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