Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Em busca do modelo ideal de regulação da imprensa

Estaria a imprensa sensacionalista britânica – aquela dos famosos tabloides – levando a sério a tentativa de criação de um sistema de auto-regulação que funcione? A pergunta é feita em artigo [13/10/11] no blog Bagehot, no site do semanário Economist, que trata de questões políticas e sociais britânicas. E a resposta vem logo em seguida: o autor do texto acredita que ela possa ser positiva.

Questionamentos e análises sobre o comportamento ético da mídia no Reino Unido são feitos há anos, mas parecem ter atingido seu mais alto nível depois do escândalo dos grampos telefônicos ilegais que culminou no fechamento do tabloide News of the World, em julho último. Veículos de comunicação e seus executivos e jornalistas estão na berlinda.

O artigo baseia-se em discurso que Paul Dacre, editor-chefe do Daily Mail, apresentou em um dos seminários organizados pelo Inquérito Leveson, aberto após o escândalo com o objetivo de avaliar as práticas e a ética da imprensa britânica. Em julho, ao anunciar a criação do inquérito a pedido do primeiro-ministro, David Cameron, o juiz Brian Leveson, que preside a comissão, afirmou que uma de suas ações seria a organização de seminários para que pudessem ser debatidos e observados diferentes pontos de vista da indústria e da sociedade. Alan Rusbridger, editor-chefe do Guardian, também participou do programa, com uma palestra sobre os direitos e responsabilidades da imprensa [leia aqui]. Já Dacre falou no bloco sobre “imprensa livre e de alta qualidade”, com abordagens sobre possíveis modo de regulação.

Um pouco de cada

Logo de início, o editor abordou uma das principais questões sobre a regulação da imprensa: ao mesmo tempo em que se teme os efeitos de uma regulação estatutária, muitas organizações de notícias se recusam a lidar com o sistema de auto-regulação do país, baseado na Press Complaints Commission (PCC), comissão independente que lida com queixas sobre a imprensa. Ou seja, qual seria o modelo ideal?

Apesar de se opor ferozmente a restrições na imprensa, Dacre sugere que talvez seja preciso haver uma combinação entre o papel do ombudsman e algum tipo de coerção para forçar todos os jornais a aceitarem uma auto-regulação mais dura. Diz ele:

“Qualquer novo sistema de auto-regulação terá que cobrir o trabalho feito atualmente pela PCC: lidar com as queixas contra a imprensa inteira e produzir resultados rapidamente, oferecendo conselhos aos queixosos antes da publicação; evitando possível assédio por jornalistas e apresentadores; orientando editores para ajudá-los com dilemas éticos; treinando jornalistas; e usando uma jurisprudência com padrões e compreensão estabelecidos.Terá que fazê-lo sem interferência governamental. Terá que fazê-lo com a colaboração da indústria. Terá que fazê-lo em um ambiente online. Terá que fazê-lo de forma eficiente em termos de custos. É por isso que eu acredito que seria desastroso para uma comissão impor multas. Se isso acontecesse, advogados seriam inevitavelmente usados por jornais resultando no fim da justiça rápida e livre da PCC.

“Em segundo lugar, ainda que abomine controles estatutários, há uma área em que o Parlamento pode ajudar a imprensa. Deve ser encontrado um meio para obrigar todos os donos de jornais a financiar e participar da auto-regulação.

“Deus sabe, a indústria lutou bastante para evitar isso, mas a decisão do Express Group de deixar a PCC foi um golpe para a comissão. Como você pode ter auto-regulação quando um grande grupo de jornais se retira unilateralmente dela?”

Dacre se refere ao que analistas de mídia chamam de “Dilema Desmond”: Richard Desmond, proprietário do grupo que publica os tabloides Express e Star – e também dono de canais de TV de “entretenimento adulto” por assinatura –, resolveu tirar os seus jornais da regulação da Press Complaints Commission. Ele continua:

“Mas não vamos nos esquecer que foi a classe política, na forma do governo [Tony] Blair – na crença risível de que faria o Express virar Trabalhista–, que decidiu que Richard Desmond, o empresário que fez seu dinheiro com pornografia, era uma pessoa boa e apropriada para ter um jornal. E foi o Ofcom, em si um órgão regulador estatutário, que recentemente julgou que o senhor Desmond era uma pessoa boa para comprar o Channel 5 – isso depois de ele ter abandonado a PCC.”

Ouvidor

Dacre defende que seja aberto um debate sobre a criação de algum tipo de “Ombudsman da Indústria de Jornais” para lidar especificamente com os padrões da imprensa. Esta figura trabalharia em parceria com a PCC, que, por sua vez, continuaria a fazer o que “faz bem: resolve queixas, determina sentenças e impõe o código” de conduta.

“Um Ombudsman – possivelmente um juiz aposentado ou funcionário público, e possivelmente assessorado por dois editores aposentados das duas pontas do espectro de jornais – poderia ter o poder de investigar, possivelmente com a ajuda de especialistas, potenciais escândalos da indústria.

“O Ombudsman poderia também ter o poder de intimar jornalistas e editores a fornecer evidências, citar transgressores e, se necessário – em casos da mais extrema malfeitoria – impor multas.”

Interesses do público

O editor ressalta que o Inquérito Leveson deverá dedicar muitas horas ao complexo debate sobre os limites entre o direito à privacidade e o direito do público à informação. Para ele, enquanto o código de conduta da imprensa for respeitado e não houver violações nas leis, os jornais deveriam ser livres para publicar o que acreditam ser o melhor para seus mercados. Dacre vai além: questiona quem deveria decidir pelos interesses do público. “Juízes? Políticos?”

“O problema é que a classe liberal britânica – as pessoas que sabem o que é melhor e que realmente dirigem este país – odeia todo tipo de imprensa popular. Afinal, os ‘red tops’ [como são chamados os tabloides britânicos que têm seu título escrito sobre um fundo vermelho] podem ser vulgares, irreverentes, excessivos e até nocivos. Mas eles também representam os pontos de vista de milhões de britânicos comuns. Sobre o Euro e imigração, estes jornais desdenhosamente rejeitam a panacéia das pessoas que sabem o que é melhor.

“Meu temor é que este ódio liberal aos jornais de massa tenha se transformado em um ódio à auto-regulação em si e eu peço ao Inquérito que tenha consciência desta tendência.

“O liberal de Hamsptead [região de Londres com alta concentração de milionários] com seu estilo de vida afortunado compreensivelmente gosta do Guardian – um jornal que lida com questões sérias. Mas ele ou um juiz teriam algum direito de negar a alguém que trabalha dez horas por dia em um call center em Sunderland [cidade no nordeste da Inglaterra] e vive para o futebol o direito de comprar um jornal que revela os pecadilhos sexuais de um dos jogadores milionários e casados de seu time – um jogador que usa sua fama para vender produtos para ele e seus filhos?”.

O artigo da Economist ressalta que a defesa de Dacre dos tabloides sensacionalistas mostra que ele não “amoleceu”, mas vê um aumento de consciência sobre a responsabilidade da imprensa. Há alguns anos, a maior parte dos jornais no Reino Unido fazia de tudo para evitar ter que publicar uma correção ou pedido de desculpas em suas páginas, o que era considerado uma humilhação. Quando o Guardian começou a dar espaço de destaque para a publicação de notas e correções, isso foi visto pelos concorrentes como uma espécie de afetação americana liberal; coisa de fracos, basicamente. Agora, o Daily Mail começou a publicar uma seção diária com correções e explicações em sua segunda página. “Eu acredito que as correções devem ganhar mais proeminência”, declarou Dacre.