O Supremo Tribunal Federal acaba de inventar uma alternativa extrajudicial para resolver a maior questão judicial que já lhe foi apresentada nos últimos anos. Ao considerar que não havia “clima” para decidir sobre a redução de poderes do Conselho Nacional de Justiça, o STF inova em seus procedimentos, substitui a Justiça pela política e tenta acomodar os contrários em um acordo que, na prática, enterra o instrumento criado para o controle externo do Judiciário.
Os jornais registram mas não estranham a manobra, e parecem conformados em aceitar o remendo com o qual os magistrados pretendem tapar o fim da transparência no funcionamento do sistema.
O Globo foi mais direto que a concorrência: “STF em crise não consegue decidir sobre punição a juizes”, diz a manchete desta quinta-feira, dia 29. A Folha de S.Paulo deixou em segundo plano a decisão do Supremo e avançou um pouco na denúncia da corregedora Eliana Calmon, segundo a qual a magistratura brasileira foi invadida por “bandidos de toga”. A manchete do jornal paulista informa que “cúpula da Justiça nos Estados tem 35 investigados”.
Pronto: se 35 desembargadores que são encarregados de julgar recursos contra decisões de juizes de primeira instância estão sendo investigados pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo menos vinte deles já foram punidos, está identificado o alvo da declaração da corregedora.
Não há mais, portanto, motivos para a ruidosa indignação do ministro Cezar Peluso, presidente do STF, e de representantes da Associação de Magistrados Brasileiros, que ainda reclamam dos termos usados pela corregedora.
Se a magistratura foi invadida por elementos desqualificados e vinte deles já foram punidos, o resto dos senhores juizes pode dormir em paz.
Além disso, criou-se o precedente do impedimento político: não havendo “clima” para uma decisão, qualquer corte de Justiça pode se abster de cumprir sua tarefa.
Segundo um experiente jurista de São Paulo, ao inventar o motivo do “clima” para adiar a decisão, o Supremo Tribunal Federal não revela apenas uma criatividade que não cabe em suas funções, mas também demonstra que foi transformado em mais uma entidade política, incapaz de tomar decisões estritamente jurídicas.
Mas esse lado da questão está ausente, por enquanto, do conteúdo oferecido pelos principais diários do país a seus leitores.
Acordo de bastidores
A questão principal segue sendo o controle externo do Judiciário, através do CNJ, instrumento arduamente conquistado pela sociedade brasileira e que, com todas as dificuldades para furar o bloqueio do corporativismo, vinha se revelando como a única instância a produzir algum resultado no enquadramento de juizes que se desviam da Justiça.
“Para evitar o desgaste” de decidir contra o CNJ, os ministros do Supremo Tribunal Federal costuram um acordo que imponha limites ao Conselho, mas sem esvaziar a corregedoria, diz a Folha de S. Paulo, resumindo com admirável clareza o que também está nos outros jornais.
Alguma semelhança com manobras rotineiras do Congresso Nacional e em outras instâncias legislativas pelo país afora?
Na mesma edição em que descreve o laborioso jogo de não decidir, armado no Supremo, a imprensa brasileira informa que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados arquivou, por 16 votos a 2, as acusações contra o notório deputado Valdemar da Costa Neto, proprietário do Partido da República, apontado como chefe do esquema de desvio de recursos do Ministério dos Transportes.
Da mesma forma, esforçam-se parlamentares e representantes do governo paulista para abafar as denúncias de pagamento de comissões por emendas ao orçamento do Estado.
No acordo em gestação no Supremo Tribunal Federal, a proposta é que o CNJ somente viria a ser acionado se a corregedoria do próprio tribunal a que pertence um juiz acusado demorar a tomar providências.
Trata-se de reduzir os poderes do Conselho Nacional de Justiça sem deixar claro para a sociedade que o que está em articulação é o fim da transparência do sistema judiciário, pois nada impede que uma infinidade de manobras burocráticas passe a impressão de que a corregedoria interna estaria cumprindo seu papel institucional, mantendo o CNJ à margem dos processos.
O discurso oficial fala em “novos parâmetros para a atuação do Conselho Nacional de Justiça” e certamente os nobres ministros haverão de encontrar as palavras adequadas para embalar o pacote corporativista.
A imprensa tem sido a primeira a denunciar a impunidade que se tornou marca registrada de todos os poderes no país, ainda que de maneira seletiva, produzindo escândalos onde o viés político considera mais conveniente e escondendo os casos que envolvem seus simpatizantes.
Vamos ver até onde mantém sua vigilância sobre a manobra em curso.
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