Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Presidentes têm direito a vida privada?

No fim da “trégua dos confeiteiros” (trêve des confisieurs) – época que compreende as festas de Natal e fim de ano, quando não acontece nada de importante na política francesa – a République acordou na sexta-feira, dia 10 de janeiro, sacudida por um tsunami que não deixou mortos mas tem pelo menos uma pessoa gravemente ferida.

Os franceses descobriram estupefatos que o presidente François Hollande tem uma amante. Sua companheira Valérie Trierweiler foi hospitalizada sob o choque da notícia. Seu staff teve de desmentir uma suposta tentativa de suicídio.

Fotos de um paparazzo (o mesmo que revelou a filha secreta de Mitterrand) mostravam na capa da revista Closer especializada em tratar da vida de famosos do mundo das artes, da política ou dos negócios – o presidente entrando e saindo de um prédio onde supostamente se encontra com a atriz e produtora Julie Gayet.

Imediatamente, a história deu a volta ao mundo e abriu o debate político sobre a vida privada de um presidente. Com as revelações da revista, os franceses foram chamados a olhar pelo buraco da fechadura do apartamento da Rue du Cirque, onde os dois amantes se veem.

Escapadas encobertas

As pesquisas de opinião revelam que quase 80% dos ouvidos pensam que essa história é do domínio privado.

Nenhum povo europeu é mais cioso que o francês em separar a vida pública da vida privada, preservada e secreta. A exuberância de Nicolas Sarkozy, que teve a pretensão de recriar no Palácio do Eliseu um mundo glamouroso como o dos Kennedy na Casa Branca, era vista pela maioria dos franceses como um exibicionismo quase obsceno. O próprio Hollande chegou a comentar que, ao falar de sua vida privada em uma coletiva para jornalistas no Palácio do Eliseu, Sarkozy colocava os franceses na incômoda e indesejada posição de voyeurs.

O debate nos meios de comunicação tentou transformar um vaudeville em discussão política. Todos os atos de um presidente da República são públicos ou ele tem, como todo cidadão, direito a uma vida privada? Qual o limite entre o público e o privado quando um cidadão exerce um mandato de presidente da República? O presidente se arriscou demais ao frequentar a Rue du Cirque em motocicleta, com um esquema de segurança minimalista? Quais os riscos que o presidente corria saindo às ruas de Paris em um veículo tão precário, com tão poucos seguranças?

A imprensa e os marqueteiros profissionais não pararam de debater o assunto desde o dia 10 de janeiro, com uma importante entrevista coletiva do presidente, prevista desde longa data para terça-feira, dia 14. Nunca uma coletiva de um presidente da República teve tantos jornalistas. Cerca de 500 profissionais da imprensa do mundo inteiro encheram o salão do Eliseu. O assunto da vida privada foi firmemente evitado por Hollande que só tinha uma resposta: “Sem comentários”.

E pensar que eu me dizia em dezembro que ia voltar para Paris e encontrar a França discutindo a crise e o desemprego, temas recorrentes, direita e esquerda se acusando mutuamente de todos os males do país. Com o agravante de uma extrema-direita que ganha espaço surfando no desespero de quem perdeu quase tudo com a crise econômica.

O mês de janeiro reservava grandes surpresas. Quem diria, François Hollande um sedutor! Com um físico que é o oposto de um galã, ninguém poderia supor que o presidente francês tivesse uma vida dupla, como em outros tempos Jacques Chirac, François Mitterrand e Valéry Giscard d’Estaing, famosos por suas relações extraconjugais totalmente encobertas por uma imprensa que tinha no respeito à vida privada um dogma que nunca ousou transpor. Depois do exibicionismo de Sarkozy, os limites foram ultrapassados.

Pingos nos is

O furo da revista Closer, que já vendeu mais de 600 mil exemplares desde sexta-feira (10/1), levou aos programas de debates políticos da TV e às colunas dos jornais e revistas diversos especialistas que tentaram separar o que é do domínio privado do que é do domínio público por ter uma dimensão política. Nesse caso, o debate sobre o papel de primeira-dama parece ter lugar.

A atual compagne do presidente Hollande, Valérie Trierweiler, sempre pisou em ovos para encontrar seu lugar na vida pública de seu marido, sem deixar de trabalhar como jornalista da revista Paris Match. Como ela tem um gabinete com alguns auxiliares pagos com o dinheiro do contribuinte, seu papel no Palácio do Eliseu passa a ser um tema político.

Agora, o presidente Hollande, que nunca se casou mas é pai dos quatro filhos de Ségolène Royal, vai ter que definir o status de Valérie Trierweiler e encontrar (ou não) um lugar para Julie Gayet. Isso vai ter que ser feito antes do dia 11 de fevereiro, quando ele tem uma viagem oficial a Washington e precisa definir se viaja sozinho ou acompanhado. E por quem.

Essa clarificação é necessária para que os jornalistas voltem a tratar de problemas políticos e econômicos e deixem as histórias de alcova restritas aos teatros de bulevar.

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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris