Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O que quer o Facebook das notícias?

O site da revista TechCrunch e o do NiemanLab comentaram no mesmo dia (17/9) o lançamento da nova plataforma de notícias do Facebook. Depois de apresentar ao mundo sua plataforma para criação de artigos (Instant Articles, 12/5), seu mapeador de menções (5/8), que é um ‘app’ para telefonia móvel que permite a grande imprensa e pessoas públicas reconhecidas rastrear seus conteúdos e o impacto causado por eles no Facebook, a rede de Zuckerberg agora acabou de lançar sua plataforma de curadoria, busca e organização de notícias que funciona fazendo uso do Facebook e do Instagram. É a Signal.

A ferramenta foi projetada para ajudar jornalistas da grande mídia e profissionais afins na finalização da coleta, ordenamento e edição das notícias. A plataforma foi planejada para uso exclusivo de páginas verificadas e profissionais reconhecidos da imprensa. ‘Páginas verificadas’ são as dos artistas de sucesso, atletas, celebridades, empresas da mídia tradicional e agora jornalistas reconhecidas de modo formal pelo Facebook. Em outras palavras, se você não é um jornalista muito conhecido, com milhares de seguidores, ou membro uma organização de notícias famosa é melhor conter o entusiasmo: a Signal é exclusiva para quem gera receita significante na rede de Zuckerberg.

Há uma brecha, entretanto, que pode ser uma alternativa para quem não tem um público muito grande: participar como membro (ou colaborador) de uma organização não lucrativa. Há espaço lá para elas na Signal. Ainda não foi preenchido por nenhuma organização do tipo, mas na página já existe conteúdo de grandes organizações da mídia. Vale à pena conferir. É uma forma do leitor comum e dos jornalistas e comentaristas ‘não-verificados’ de entidades não-lucrativas da mídia entenderem como funciona a nova plataforma de mídias do Facebook.

Absorver as redações

A Signal ‘puxa’ dados do Facebook e do Instagram direto para o desktop (ou laptop) dos jornalistas. Ela lembra o TweetDeck do Twitter, mas tem muito mais funcionalidades acopladas a ela. Com a plataforma o jornalista poderá acessar as novas tendências no Facebook, extrair conteúdo de mídias do Facebook e do Instagram, como postagens, fotos e vídeos que podem ser salvos em coleções feitas pelos profissionais da mídia em um sistema de gerenciamento de conteúdo (CMS). Este pode ajudar na geração de textos ou elaboração e integração de vídeos direcionados para os para os seguidores dos profissionais mais proeminentes da mídia e suas audiências. Vejam a ilustração abaixo:

Signal 01

(Fonte: Facebook Media Partners)

 

A ideia por trás da nova plataforma de mídia do Facebook é “trazer as redações para mais perto do público”. Em outras palavras, o Facebook quer trazer as redações para dentro dele. A idéia é não deixar o profissional de imprensa deixar a rede em momento algum. A plataforma ainda está em sua fase experimental (beta) e ainda não podemos fazer uma crítica apurada e justa dela. A TechCrunch explicou que os jornalistas agora, (como os artistas e celebridades antes no Facebook) podem, com a Signal, usar o registro das suas menções do Facebook para verificar as tendências populares entre vídeos, fotos, feeds de notícias e outras mídias do Facebook e do Instagram.

O Twitter sempre permitiu isso a todos sem distinção. O uso e acesso às menções são para todos que frequentam o microblog. O Facebook, entretanto, só permite o acesso e uso delas aos maiores nomes da imprensa: jornalistas famosos e artistas, atletas e outras figuras de projeção reconhecida na sociedade. O Facebook capitaliza suas ferramentas. O Twitter não. O Facebook é um gigante da mídia e o Twitter, com sua generosidade, continua um anão entre as grandes empresas da mídia. Mas vai continuar seu papel na divulgação e descoberta de notícias porque atraiu a simpatia de gente da mídia que interage com os usuários sem a mediação do dinheiro ou posição na imprensa.

A ferramenta do Facebook foi desenhada para ser o suporte da atividade de finalização da coleta de dados dentro da rede. Ela serve muito bem para acabamento e finalização de reportagens. Ou pós-edição. O que não exclui a atividade jornalística obrigatória de buscar notícias no espaço geográfico onde vivem e trabalham pessoas que interagem em ambiente social real. A plataforma Signal foi desenhada para acabamento e edição multimídia e pode ser uma poderosa aliada dos jornalistas. Que agora podem direcionar sua produção ao público certo, com as menções, e melhorar o acabamento de suas matérias com uma plataforma poderosa que organiza várias fontes de informação em diferentes tipos de mídia.

Com ela, empresas e profissionais poderão acessar listas de figuras públicas de acordo com sua relevância no Facebook, “incluindo conversas em tempo real com políticos, autores, músicos, times de esporte, jogadores e mais”, explicou o NiemanLab. Apesar de a nova plataforma garantir um novo e mais poderoso meio de organizar e ‘garimpar’ dados para novas reportagens, o passado recente das relações entre a mídia e o Facebook tem sido marcado por insatisfação e descontentamento. Principalmente por parte da mídia.

A plataforma “Instant Articles” foi lançada em maio de 2015 para a mídia móvel (smartphones e tablets) e funciona bem nos pequenos aparelhos. Fracassou nos desktops (e laptops) porque os periódicos e sites da grande mídia têm suas próprias páginas no Facebook e não vão admitir competição com um perfil pobre dentro dele. Isso não ficou claro para o público. Ainda há gente a esperar conteúdos novos em seus computadores. Nada garante que isso vá acontecer. Pelo menos com a frequência desejada pelo público. Apesar de ter atraído grandes publicações da mídia mundial (ver figura abaixo), os resultados, até o momento, não foram os esperados.

Signal clientes                                                                       (Fonte: Facebook Media Partners)

A despeito de deixar para a mídia 100 % da renda dos anunciantes, o negócio não vai bem. Até o dia de hoje (21/9) a página do perfil “Instant Articles” no Facebook não recebeu publicações depois de julho deste ano. Ficar meses sem receber novas publicações é um sinal incontestável de fracasso editorial. Na mídia móvel, as páginas das publicações são rápidas porque não há link de volta para as publicações. Por outro lado, existe espaço de sobra para anunciantes na plataforma. Os anunciantes ainda não preencheram enormes espaços vazios na mídia portátil. O modelo de financiamento ainda não produziu resultados satisfatórios.

Avaliação cautelosa

A plataforma projetada para a imprensa, por enquanto é apenas uma projeto em teste e deve ser vista com muito cuidado. Mais uma vez, o Facebook promete muito a grande imprensa sem deixar bem claras as suas intenções. No ambiente da ‘Signal’ – anuncia o Facebook – o profissional poderá adicionar e incorporar vídeos e fotos da rede social e do Instagram a seus conteúdos e acompanhar os assuntos mais populares entre a audiência do Facebook. Os usuários verificados (jornalistas, empresas grandes da mídia ou pessoas públicas formalmente reconhecidas pelo Facebook) poderão trabalhar sem sair do Facebook e esta é sua maior ambição: criar um ambiente de trabalho de mídia dentro da rede e fazer o profissional não sair dele. O Facebook “quer ser fonte primária”, apôs a TechCrunch com argúcia.

Aproximar redações e jornalistas de seu público pode ser uma boa chance. Mas a exclusividade da plataforma, que só aceita os grandes nomes da mídia e ‘celebridades’ da sociedade é decepcionante: ela não foi pensada para uso da mídia que emprega conteúdo produzido por colaboradores ou profissionais sem grande nome de imprensa. Isso pode mudar com o tempo, mas as dúvidas são muitas. Não é fácil trabalhar em parceria com do Facebook e suas ferramentas exclusivas. O “Instant Articles”, que atraiu importantes publicações da mídia internacional, ainda não cumpriu tudo o que prometeu e ilustra bem a insegurança e as dificuldades de quem trabalha com a maior rede social da web.

A mídia tradicional é difícil de ser enganada e desconfia do Facebook e sua posse total de toda a ecologia dentro da maior rede social do mundo. Tudo o que existe lá dentro é propriedade do Facebook. A rede de Zuckerberg é a 10ª maior proprietária de mídias do planeta, de acordo com pesquisa da renomada consultoria de marketing ZenithOptmedia (11/5). O Facebook é maior que a Globo e ninguém brinca com ele. As grandes publicações que aderiram ao “Instant Articles” miravam o mercado da mídia móvel e não queriam ficar fora do caminho que muitos consideram como o ‘futuro das notícias’.

Houve resistência ao “Instant Articles” do Facebook. Que ainda não apresentou os resultados significantes. A plataforma Signal ainda é uma incógnita, com sua participação restrita aos grandes nomes da imprensa e as celebridades da sociedade. Nem todos são simpáticos a grande imprensa, e a falta de percepção do valor da atividade de jornalistas não muito conhecidos e dos colaboradores frequentes da imprensa revelou uma estratégia incompleta do Facebook. Muito ambiciosa, a nova plataforma quer a grande mídia dentro da rede. Sem link de volta as publicações.

Faca de dois gumes

O Facebook não é a única opção para jornalistas menos conhecidos e outros colaboradores com presença constante na mídia. Se você não é uma celebridade, nem um jornalista muito conhecido na imprensa, não se esqueça deste detalhe: a exclusividade da nova plataforma do Facebook pode ser uma faca de dois gumes. Nem todos os grandes nomes da imprensa aceitam os limites impostos pelo Facebook. A maioria dos jornalistas não vai trabalhar o tempo todo dentro da rede social de Zuckerberg porque não é assim que se faz jornalismo. Essa idéia revela megalomania, indiferença e ignorância ao papel do jornalismo como um todo e da cultura tradicional da imprensa histórica.

Mas o que quer o Facebook com o mundo das notícias, afinal? Depois dos magros resultados com o “Instant Articles”, ele agora apresenta sua exclusiva plataforma para os grandes nomes da imprensa mundial, sejam eles pessoas ou empresas. Ao deixar de fora os pequenos da mídia, o Facebook pode ter cometido um grande erro estratégico. A rede foi feita para pessoas. Aceitou empresas com o passar do tempo, mas seu sucesso veio dos perfis pessoais e páginas abrigadas nele. Não seria melhor e mais saudável apoiar também novas organizações inovadoras da mídia, e não apenas publicações tradicionais com problemas em gerar novas receitas em uma paisagem midiática debilitada pelo crescimento da web?

Em 2010, Tim Berners-Lee avisou que o Facebook e outras redes sociais “estavam a fragmentar a web”. Em 2010, o Guardian (22/11) publicou a advertência do principal responsável pela criação e desenvolvimento da World Wide Web. A ameaça da criação de “silos fechados de conteúdos” agora está diante de nossos olhos. A internet.org é um passo na direção da criação de uma rede privada de comunicação virtual limitada e controlada pelo Facebook e seus associados. É uma arma apontada para a neutralidade da rede. E a ideia por trás da nova plataforma de imprensa é mais uma tentativa de ‘recortar’ uma parte da web para uso comercial.

Mark Zuckerberg e o seu Facebook não vão descansar até conseguir arrancar um pedaço da web para seu próprio lucro. Mas ele errou ao acreditar que poderia ignorar o papel da mídia tradicional, acossada por um cenário desagradável que projeta decadência para o futuro e acostumada a fusões inesperadas, aquisições hostis e outros procedimentos agressivos da imprensa. Zuckerberg ainda não tem maturidade suficiente para enfrentar os experientes e desconfiados proprietários dos grandes veículos da mídia histórica. O jornalismo mundial sai ganhando com isso.

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Sergio da Motta e Albuquerque é é mestre em planejamento urbano, consultor e tradutor.