Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mídia como ator político

Nova York, 11 de setembro de 2001. Em uma manhã ensolarada no final do verão no hemisfério norte, aviões sequestrados por terroristas islâmicos da rede al Qaida colidem com as torres gêmeas do imponente World Trade Center, um dos símbolos do poderio econômico dos Estados Unidos da América. Pela primeira vez, desde a ofensiva conduzida pela marinha imperial japonesa contra a base naval de Pearl Harbor, no início da década de 1940, a maior potência do planeta era alvejada em seu próprio território.

Entre as causas que levaram ao 11 de setembro estão a aliança entre Estados Unidos e Arábia Saudita – país onde está localizada Meca, a cidade sagrada do Islã – e o apoio incondicional da Casa Branca às ações do Estado de Israel contra o povo palestino. Na política exterior de Washington, as principais consequências do atentado promovido pela al Qaida foram as invasões do exército estadunidense ao Afeganistão e ao Iraque (práticas inseridas na chamada “guerra ao terror” de George W. Bush). Já no âmbito doméstico, sob o pretexto de combate ao terrorismo, a instituição do Patriot Act (Lei Patriótica) trouxe uma série de prerrogativas para a intervenção estatal na vida dos cidadãos estadunidenses.

Paris, 13 de novembro de 2015. A noite de sexta-feira tinha tudo para ser somente mais um início de final de semana na agitada capital francesa quando, de repente, uma série de ataques coordenados, atribuídos ao grupo jihadista Estado Islâmico, deixou mais de uma centena de mortos em vários pontos da cidade. “Uma situação como nunca se viu na França em tempos de paz”, noticiaram as agências de notícias internacionais. Os ataques foram uma retaliação radical à intervenção francesa na Síria, país cujo território está localizado em uma área onde o Estado Islâmico pretende fundar um califado, ou seja, uma organização estatal teocrática baseada na sharia, a lei islâmica.

Não obstante, as consequências dos atentados em Paris já são sentidas nos ataques do exército francês às bases do Estado Islâmico na Síria e na implantação de leis semelhantes ao Patriot Act, que aumentam o poder do Estado e, em contrapartida, restringem as liberdades individuais. Provavelmente, a extrema-direita francesa, liderada pela advogada Marine Le Pen, saberá aproveitar os ataques promovidos pelo Estado Islâmico como propaganda eleitoral para suas políticas anti-imigração. No continente europeu de maneira geral, é praticamente certo que aumentará a atual onda de islamofobia, iniciada após a crise capitalista de 2008.

O eficiente aparato midiático

Apesar das semelhanças entre os atentados ocorridos em Nova York e em Paris (ambos ilustram as conturbadas e complexas relações entre potências imperialistas e fundamentalismo islâmico), é preciso ressaltar algumas significativas diferenças ideológicas e de modus operandi entre a al Qaida e o Estado Islâmico.

A rede terrorista al Qaida tem suas origens no Afeganistão da década de 1980, no contexto da chamada “Guerra Fria”, quando os Estados Unidos treinaram e financiaram Osama bin Laden e seus companheiros para lutarem contra o invasor soviético. No início dos anos 1990, com a Guerra do Golfo, Bin Laden rompe seus laços com os Estados Unidos (que incluíam lucrativas relações econômicas) e, desde então, a al Qaida opera como se fosse uma espécie de transnacional do terror, organizada a partir de uma rede geograficamente dispersa de células autônomas. Seus ataques com homens-bomba, que se lançam à morte contra alvos ocidentais na esperança de uma paradisíaca existência pós-mundana com direito a quarenta virgens, povoam o imaginário ocidental repleto de estereótipos negativos sobre o Islã.

Por sua vez, o Estado Islâmico, formado por dissidentes da célula iraquiana da al Qaida, é consequência direta da invasão dos Estados Unidos ao Iraque, iniciada em março de 2003. Conforme o mencionado anteriormente, o temível grupo terrorista tem como principal intuito a fundação de um califado no Oriente Médio. Portanto, consideram a questão territorial de suma importância para os seus delirantes objetivos. Também repudiam bombardeamentos suicida, pois consideram que Alá proíbe atos em que um ser humano retira sua própria vida. Ao contrário da al Qaida, incluem entre os seus ataques também alvos da própria religião muçulmana, sobretudo da ramificação xiita (lembrando que a al Qaida e o Estado Islâmico são sunitas). Aliás, o incessante ataque a mesquitas xiitas foi um dos motivos para a cisão entre o Estado Islâmico e a rede terrorista fundada por Bin Laden.

Por outro lado, as empreitadas da al Qaida e do Estado Islâmico não teriam as mesmas repercussões se não fossem os meios de comunicação de massa, especialmente a televisão. Conforme apontam vários estudos, nos últimos anos a televisão tem deixado de ser um veículo de transmissão de informações para se transformar em um poderoso instrumento de fabricar emoções. Mais do que simples ataques qualificados como “terrorismo”, tanto o 11 de setembro quanto o 13 de novembro foram ações cuidadosamente planejadas para serem grandes eventos midiáticos, capazes de despertar a atenção de plateias em todo o planeta, gerando assim reações emotivas como ódio, medo, revolta ou até mesmo um tácito sadismo com a desgraça alheia. Não há como imaginar o atual terrorismo internacional sem os impactos causados pelas imagens hollywoodianas do Word Trade Center em chamas ou dos vídeos das degolações realizadas pelo Estado Islâmico compartilhados nas principais redes sociais.

Já as grandes potências globais utilizam-se da mídia para corroborar suas políticas imperiais. Amedrontadas ou comovidas pela incessante repetição das fortes cenas de atentados como os ocorridos nos Estados Unidos e na França, parcelas consideráveis da população adotam (ou acabam absorvendo involuntariamente) retóricas como a “guerra ao terror” ou aceitam passivamente leis retrógradas que atentam contra a liberdade individual. Nesse contexto, além de um poderoso exército, uma grande potência também deve ter à sua disposição um eficiente aparato midiático, capaz de difundir determinadas ideias em escala planetária. Enfim, sem exagero algum, podemos dizer que a mídia é, definitivamente, um dos principais atores geopolíticos da contemporaneidade.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG