Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Overdose, sim,
fazer o quê?

‘Xaropada’, ‘endeusamento’, ‘santificação’, ‘espetáculo pop’, ‘culto à personalidade’, ‘overdose’. Essas expressões estão em vários blogs brasileiros, de gente contrariada com a cobertura massificante da morte do papa João Paulo II. Mas, sinceramente, se o leitor mandasse no jornal que assina ou na TV a que assiste, faria o quê? Uma cobertura frugal?


Claro, a cobertura poderia ser como a da Rede Record, da igreja do bispo Macedo, que noticiou sem firulas a morte do papa, e manteve a programação normal. Poderia ser como a da Rede Vida, da própria igreja católica, que na sexta-feira, o papa agonizando, exibia um joguinho de futebol de um campeonato paulista e no sábado foi literalmente a última a anunciar o desfecho. Poderia fazer como o diário carioca O Dia, que na segunda-feira dividiu a primeira página ao meio, entre o pão dos funerais do papa e o circo da vitória do Fluminense no futebol (ah, e no pé da página reservou um lugarzinho à espada, com a chacina da Baixada Fluminense).


Mas grandes jornais e grandes redes de um país tido e dado como católico não podem escapar dessa cobertura lacrimosa e de generosidade quase sufocante. Pois se nem as redes de países de minoria católica escaparam! No domingo e na segunda, as americanas CNN e Fox News e a britânica BBC só tiravam o pé da Praça de São Pedro para ouvir nos estúdios os indefectíveis teólogos e analistas e visitar mundo afora os órfãos do papa peregrino.


De doer


Claro, a Globo não precisava ter dito, no Fantástico de domingo, que a Argentina inteira estava de luto, uma vez que o correspondente da Globo News, em matéria bem analítica, já informara que 98% dos argentinos são católicos, mas apenas 10%, praticantes. Para que dourar mais a pílula?


Mas ninguém pode reclamar de que a mídia não ouviu os dissidentes da igreja. Leonardo Boff e Dom Pedro Casaldáliga deram entrevistas aos jornais e à TV, nacionais e internacionais, e falaram o que bem quiseram do pontificado encerrado no sábado. O leitor brasileiro pôde encontrar até análise profunda desta fase, tão pop para o público externo quanto soturna no claustro vaticano, no texto do professor da USP Flávio Aguiar, ‘O código Wojtyla’, para a Agência Carta Maior.


Claro, num mundo laicista ideal o papa católico seria tão conhecido quanto o chefe da igreja anglicana ou o da ortodoxa grega, e sua morte teria cobertura de média intensidade.


Mas, império à prova de escândalos de qualquer natureza, dos financeiros aos sexuais, esta poderosa igreja resiste a tudo, enfrenta a todos, coopta até líderes teoricamente ateus. Em resumo, atrai as luzes. Então, o que esperar da imprensa?


Bem, pelo menos manchetes um pouquinho mais inspiradas. Foram de doer as de domingo do Globo (‘Adeus, João de Deus’) ou do JB (‘João está com Deus’) e a da Folha de segunda-feira (‘Multidão na praça festeja João Paulo 2º’).