Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Crítica da mídia tem o desafio de acompanhar as mudanças no jornalismo e tentar aproximação maior com as redações

(Foto de Cairê Dantas)

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realizou, na última semana de setembro, o evento “O papel do jornalismo na sociedade: a crítica de mídia nos últimos 15 anos”, em comemoração ao 15º aniversário do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS). Na programação, pesquisadores e jornalistas no mercado debateram as mudanças realizadas no âmbito da comunicação, principalmente com a difusão das redes sociais como meios de informação, e quais os desafios para a aproximação entre imprensa e academia.

Iniciando as falas, Carlos Augusto Locatelli, professor da UFSC, reforçou o feito do objETHOS comemorar seus 15 anos, pois muitos projetos que surgiram na mesma época e que visavam analisar a imprensa foram descontinuados. “O objETHOS tem o papel de estudar os discursos e de produzir discursos metajornalísticos, ou seja, sobre o jornalismo e sobre a mídia no geral. Um tema que nos engolfa neste momento e que nos coloca em um conjunto de paradoxos, entre o potencial libertário e democrático do jornalismo e, ao mesmo tempo, uma situação que perpetua todas as formas de oligopólio e monopólio e nos oprime enquanto sociedade”, afirmou.

A pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp) e diretora editorial do Projor, Simone Pallone, falou das mudanças que ocorreram no campo do jornalismo durante os últimos 15 anos, e que afetam, consequentemente, quem produz notícias e quem as estuda. Entre as problemáticas, ela citou o cenário de vulnerabilidade dos profissionais de comunicação em suas condições de trabalho, com cada vez mais indivíduos exercendo a função sem registros em carteira – a chamada ‘pejotização‘. Também destacou o crescimento das redes sociais, que se tornaram meios de informação e controlam o acesso às notícias em suas bases algorítmicas.

“Além de nós termos, enquanto pesquisadores, um campo maior de observação do jornalismo por conta do crescimento digital, existe, hoje, o desafio da desinformação. Há muita desinformação e um dos nossos dilemas é saber lidar com esse fenômeno, principalmente com a agilidade com que as informações circulam hoje”, afirmou Simone.

Criadora e repórter do Portal Catarinas, Paula Guimarães apontou outro aspecto oriundo do crescimento das redes sociais, as personalidades que vêm substituindo o espaço do jornalismo. “Há uma perda de audiência na mídia em geral por causa dessa figura do influencer, que é uma pessoa que se coloca como um veículo de comunicação. Se ela é jornalista ou não, dentro desse cenário, isso não faz diferença, porque o fato é que as pessoas estão se abastecendo de notícias por meio deles. Como os veículos vão lidar com isso? Esse é um desafio. No campo internacional já estão aparecendo jornalistas atuando como influencers, para poderem fazer essa entrega da informação”, explicou.

Crítica da mídia exige esforços da academia e das redações

Professor da UFSC, Rogério Christofoletti afirmou que o trabalho de crítica da mídia realizado no ambiente acadêmico é uma ação prática dos objetivos das instituições de ensino superior. “A universidade tem um papel muito importante dentro da sociedade que é parar para pensar, discutir, trocar. É um ambiente de liberdade, um ambiente onde as pessoas podem formular ideias, sonhar futuros, e por isso se difunde a crítica da mídia.”

Para o especialista, a crítica da mídia tem duas funções principais: fiscalizar o exercício do jornalismo e alfabetizar a sociedade. “Fiscalizar no sentido de olhar para os produtos e serviços de jornalismo e identificar insuficiências, fragilidades, mas também apontar coisas positivas. Isto é, fiscalizar para permitir o aperfeiçoamento. Já a segunda função, de alfabetizar, é ajudar a educar o público para uma leitura crítica dos meios de comunicação”, detalhou. Em linhas gerais, disse ele, a crítica da mídia é importante para reforçar a democracia de uma sociedade. “A comunicação afeta a todos, então ela deve interessar a todos.”

Seguindo com o raciocínio de Christofoletti, a pesquisadora Rafiza Varão, da Universidade de Brasília (UnB) e do projeto SOS Imprensa, explicou que a crítica da mídia pode vir tanto da população, por meio de comentários nas redes sociais, por exemplo; da própria imprensa, com a figura do ombudsman; e pela academia, com os observatórios e demais estruturas de pesquisa. Mas é na academia, disse ela, que essa crítica ganha nuances mais analíticas.

“Hoje, nas universidades, nós temos um bom trabalho desenvolvido sobre crítica da mídia, principalmente nos cursos de jornalismo, comunicação, mas também temos observatórios sem vínculo jornalístico. Nesses espaços, acredito que há o trabalho mais consistente em relação àquilo que é uma crítica de mídia. Em que sentido? Primeiro, nós somos independentes, no sentido de não estarmos vinculados a empresas. Segundo, nós temos uma formação acadêmica que nos permite ver de maneira mais sistêmica aquilo que acontece na mídia. Porque quando o jornalista está no mercado de trabalho, às vezes é difícil perceber o conjunto, já que há o envolvimento dele na produção noticiosa.”

Encerrando as participações, o jornalista Paulo Mueller, da NDTV, afirmou que cabe ao profissional de comunicação no mercado entender que a produção jornalística é passível de análises, e por diferentes públicos. “Quando alguém vem fazer alguma crítica do seu trabalho, essa crítica pode ser construtiva. A crítica pode ser aceita ou não, mas ela precisa ser recebida pelo jornalista, porque nós, enquanto profissionais, sempre podemos melhorar.”

Mueller reforçou, entretanto, que apesar da crítica da mídia evoluir nos últimos 15 anos, ela ainda não chega de forma prática ao profissional de comunicação. “Eu conheço o trabalho do objETHOS porque já estive aqui na academia, mas muitas vezes as críticas que são feitas tanto pelo objETHOS quanto pelo Observatório da Imprensa não chegam até as redações. Isso é muito triste, porque é nesse ambiente de trocas que conseguimos melhorar tanto aquilo que a gente mais preza enquanto profissional, o bom jornalismo.”

Os debates do encontro “O papel do jornalismo na sociedade: a crítica de mídia nos últimos 15 anos” podem ser conferidos na íntegra no canal da TV UFSC no YouTube.

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Rafael Revadam é jornalista formado pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, especialista em Jornalismo Científico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em Estudos Brasileiros pela Fundação-Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Mestre em Divulgação Científica e Cultural pelo Labjor/Unicamp e doutorando em Política Científica e Tecnológica pelo IG/Unicamp. É repórter da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e de seu veículo, o Jornal da Ciência.