Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fake News: Quem checa os checadores de notícias?

(Foto: Freepik)

Um dos maiores parceiros do empresário Assis Chateubriand, David Nasser, era conhecido por ser excelente repórter, mas também contador de histórias falsas.

O próprio Chatô criava suas narrativas e repassava para seus editores publicarem como se verdade fosse. Um dos casos conhecidos envolve o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, d. Antônio dos Santos Cabral, que queria montar um jornal para contra-atacar O Estado de Minas, pertencente ao conglomerado de Chatô. Encampou a briga pessoalmente, o que revoltou o empresário.

Assim reagiu Chatô: “Se esse filho da puta continuar com essa conversa fiada, vou escrever um artigo nos jornais dizendo que sei a história dele. Vou dizer que ele estuprou a própria irmã”. Na realidade, o arcebispo não tinha irmã. Nem por isso, a estória deixou de ser publicada. O religioso que desse o seu próprio jeito de buscar a reparação.

A mesma onda de mentiras envolveu os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, por interesses políticos revestidos de verdade pela mídia. No dia que os militares tomaram o poder em 64, história que todos conhecemos bem, o editorial de O Globo vendia a narrativa que a democracia começara, efetivamente, a partir de então. “Ressurge a democracia”, foi o título do texto.

Notícias falsas nunca deixaram de andar lado a lado com a imprensa brasileira. O protesto das Diretas, em que a Folha de S.Paulo noticiou como celebração ao aniversário de São Paulo, o caso da Escola-Base (talvez o mais emblemático de fake news em massa na mídia), a ficha falsa da ex-presidenta Dilma Roussseff pela ditadura militar e publicada pela mesma Folha, além da acusação lançada a ela de assassinato de um militar, as campanhas eleitorais manipuladas, por aí vai…

Aqui também não pretendo fazer um passeio diacrônico em episódios do tipo, porque poderíamos atracar no século 17 em referências já identificadas por Tobias Peucer na primeira tese de jornalismo. O jornalismo praticado pelas grandes corporações se confunde, em algum ponto, com as notícias falsas.

O ex-ombudsman da Folha, Mario Vitor Santos, de quem particularmente sou fã, disse em entrevista que não sabe quem estabeleceu o corte e decidiu atribuir de fake news (considero o termo um oximoro, mas aí é outra história), os antigos boatos e mentiras que ainda hoje persistem. “Onde se faz o corte de que a sociedade está atravessada por notícias falsas?”, pergunta. O corte pode passar a falsa sensação de que se trata de fenômeno recente por conta das redes sociais. Em certa análise, pode até ser, mas não simplesmente por conta dos boatos. As fake news também passaram a ser disputa por espaço simbólico no ecossistema midiático.

Os jornalões sistematicamente buscam ser os detentores da verdade, representantes da tal isenção, a ponto de criticarem toda prática de jornalismo que não esteja sob os domínios dos barões da mídia. Jornalistas que deixavam as redações eram, anteriormente,  rotulados de “ex-jornalistas demitidos da grande imprensa”, como assinalou o Leonardo Attuch, editor do Brasil 247, em seu livro. Para ser jornalista, teria que reproduzir o que os patrões determinavam.

Agora, estes mesmos grupos que estão se tornando instituições do mercado financeiro (aí é tema para outro artigo), recorrem à expressão “jornalismo profissional” para delimitar este espaço. O GloboFolhaEstadão praticam o tal “jornalismo profissional”. Veículos independentes e com visões de mundo opostas não seriam profissionais.

Assim, eles têm trabalhado como pretensos legitimadores da verdade (qual a verdade?), monopolizadores do jornalismo e agem como ungidos do que deve ser ou não considerado jornalismo. E, em certo sentido, o jornalismo corporativo é o jornalismo das notícias falsas, como acentuou o ex-ombudsman da Folha.

O jornalista levanta a reflexão: “Será que esta disputa não é atravessada pela concorrência dos veículos tradicionais e dos novos veículos que vêm disputar mercado?”. E nesta disputa, os veículos tradicionais intentam manter o poder do discurso, de que promovem a verdade e que repassam os acontecimentos com a fidelidade da Teoria do Espelho. É um confronto discursivo e também político que incomoda a mídia tradicional.

Desta forma, o tema chega à CPMI das Fake News no Congresso, quando nota técnica afirma não existir uma metodologia comprovada para classificar um veículo como canal de notícias falsas. Quem poderia produzir algo do tipo? Quem estaria liberto de qualquer influência externa para apontar o dedo? As agências de checagem?

De acordo com o documento, segundo a Folha, os canais classificados como de “comportamento desinformativo” foram aqueles nos quais existem três ou mais matérias ou conteúdos classificados como falsos, deturpados ou incorretos pelos principais checadores de notícias. Entre os checadores foram citados a Agência Lupa, Estadão Verifica, Comprova, Aos Fatos, Fato ou Fake, E-farsas e Boatos.org. Vamos lá.

Das citadas, Agência Lupa, ligada à revista piauí e ao banqueiro João Moreira Salles. Estadão Verifica (de quem será?), Fato ou Fake (do grupo Globo), todas a serviço da “verdade”. Elas classificam para você o que é verdade.  E denunciam quem, sob suas lógicas e sentenças, propaga mentiras. Sabem quem foram listados? Os sites e blogs independentes fora do eixo de domínio desta grande mídia. Nenhum veículo da mídia corporativa é classificado como de fake news. Os independentes, sim.

Quem checa os checadores? Como é a escolha da checagem? Qual o fator político que estimula este trabalho? São reflexões mais amplas que devem ser feitas para além da observação positivista. Neste mundo em que os boatos e as verdades estiveram sempre sob a circunscrição da chamada “grande imprensa”, os  veículos independentes começam a fazer barulho trazendo outras verdades. Verdades progressistas, de jornalistas livres, com visão comunitária. Jornalistas que quebram grilhões após anos de subserviência a patrões reacionários e antipovo.

Este barulho incomoda e a solução encontrada por esta mídia mainstream é atribuir a si o exercício do jornalismo profissional e à mídia alternativa a pecha de propagadores de notícias falsas.

Publicado originalmente no site objETHOS.

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William Robson Cordeiro é jornalista, Doutor em Jornalismo (PPGJOR/UFSC) e integrante do grupo de pesquisa Hipermídia e Linguagem (Nephi-Jor/CNPq) Especial para o objETHOS.