
(Frame do vídeo publicado pelo youtuber Felipe Neto com referências ao livro “1984”, de George Orwell)
Na noite de 3 de abril, diversos veículos publicaram em suas páginas iniciais a notícia de que o influenciador, youtuber e empresário Felipe Neto teria anunciado sua pré-candidatura à Presidência da República. A primeira que recebi em grupos de WhatsApp foi a publicação da CNN:
Outros, como UOL, Exame, IstoÉ e Veja, também repercutiram a pauta, com variações de um texto bastante semelhante: o lead informa que, naquele mesmo dia, o influenciador havia anunciado a pré-candidatura por meio de um vídeo publicado em sua página no Instagram, no qual ele também anunciava a criação de uma nova rede social. Uma rápida busca no Google reúne as seguintes:

(Imagem: Reprodução)
No vídeo divulgado na rede social, Felipe Neto explica a suposta nova rede, que se chamaria “Nova Fala” e funcionaria “como um ministério, talvez o Ministério da Verdade”. São referências claras ao livro 1984, de George Orwell – que nem todos os veículos comentaram ou explicaram. Ele diz ainda que, por mais que não seja um homem da política, tem ao seu lado a “maior arma do nosso tempo: o uso das redes sociais”.
A informação foi recebida com certa confusão por mim e por colegas jornalistas com quem conversei sobre o assunto. Não poderia ser verdade, não tem cabimento uma coisa dessas; mas saiu na CNN, saiu no Valor, saiu na UOL… “Eu achei que era zoeira, mas hoje é 3 de abril, e não 1°”, disse uma amiga e colega de profissão. Outro comentou que queria mandar a notícia no grupo do trabalho, mas estava com receio de ser uma barrigada – e parece que não deu outra.
Em um segundo vídeo, publicado na sexta, 4, Felipe Neto faz o anúncio do audiolivro de 1984, que chega à plataforma Audible. O vídeo em que anunciava a candidatura não era nada mais, nada menos, do que uma estratégia de marketing feita para capturar a atenção de seus seguidores, como ele mesmo explica:

(Frame do vídeo publicado pelo youtuber Felipe Neto com referências ao livro “1984”, de George Orwell)
Ainda na quinta-feira, veículos como Correio do Povo e Valor Econômico repercutiram a declaração de Felipe Neto, mas apontaram possível sátira, destacando as relações da fala do influenciador com referências à obra de Orwell:

(Imagem Reprodução)
Felipe Neto já fez uma publicação oficial explicando a situação; resta saber como os veículos vão sair dessa. Afinal, o que justifica a reprodução dessa informação em tantos jornais e revistas da imprensa nacional, sem contato algum com o influenciador ou sua assessoria? Por que é tão relevante uma publicação em rede social em que ele diz que será candidato à presidência, sendo que nem mesmo é filiado a partido político, como exigem as regras eleitorais brasileiras? De que vale esse imediatismo?
Claro, sabemos a resposta: vale o clique, a audiência, valem as métricas e metas batidas no fim do mês. Só entre grupos de jornalistas, certamente, esses links circularam muito. No entanto, onde fica a responsabilidade com a informação e, principalmente, com o leitor? A escolha por publicar mais rápido, antes dos outros, sem necessariamente fazer uma verificação, vale a pena para o jornalismo?
Vivemos dizendo e ouvindo que estamos em crise. Mas, quando os próprios representantes da grande imprensa nacional publicam um conteúdo, que nada mais é do que um jornalismo declaratório de Instagram, não estão eles mesmos dando um tiro no pé? Em que esse tipo de postura contribui para que o jornalismo, enquanto instituição, possa se redimir aos olhos de um público que confia cada vez menos no jornalismo profissional?
O que está feito, está feito. Matérias podem ser corrigidas, informando ao leitor que “erramos”. No caso de veículos mais envergonhados e menos preocupados com as diretrizes éticas, elas podem só ser tiradas do ar, assumindo a forma de “Error 404 – Page not found.”. Mas acontecimentos como esse permanecem na memória coletiva – não lembramos ainda da Escola Base, trinta anos depois do ocorrido? É um exemplo mais extremo, mas que demonstra o poder do jornalismo na influência da opinião pública. Mas, quando se descobre que aquela informação não era verdadeira, ficamos nós como o vilão da história. Resta saber o que vamos aprender com isso, ou se vamos aprender alguma coisa, com o que talvez tenha sido a maior barrigada de 2025 – e ainda é só abril.
Publicado originalmente em objETHOS.
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Natália Huf é Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Jornalismo da UFSC e pesquisadora do objETHOS