Com o fim dos Jogos Olímpicos Paris 2024, podemos ver alguns resultados das mudanças realizadas para promover a paridade de gênero e refletir sobre como as instituições jornalísticas podem se inspirar nas iniciativas do Comitê Olímpico Internacional (COI) para promover a igualdade em suas próprias estruturas.
O movimento olímpico, com sua visibilidade e compromisso com a equidade, oferece lições que podem ser adaptadas ao contexto do jornalismo. Reuni três aspectos que se destacaram durante as transmissões do evento.
Paridade de participantes
A busca por aumentar a participação feminina está em prática desde a Rio 2016, mas só agora, duas edições depois, é que finalmente há um número igual de atletas homens e mulheres. Esse marco é um reflexo do esforço contínuo do COI para garantir condições equitativas de competição, reconhecendo a importância da representatividade feminina no esporte.
O saldo da presença feminina nos Jogos de Paris refletiu em números expressivos, não só para a campanha brasileira, mas globalmente. Entre os maiores medalhistas da edição, as mulheres se destacaram, com 12 das 15 maiores medalhistas sendo do sexo feminino.
Para o Brasil, os três ouros conquistados por mulheres negras e periféricas trouxeram à tona discussões sobre as possibilidades que as mulheres podem alcançar quando lhes são dadas condições equânimes.
Mais do que simplesmente adotar “cotas”, a promoção da paridade de participantes é um reconhecimento do talento e do esforço das atletas.
Para as instituições jornalísticas, fica o aprendizado de que a paridade de profissionais é um trabalho ostensivo, que começou em 2014, com o lançamento do “Gender Equality Review Project”, agenda em que o COI se comprometia com mudanças orientadas à equidade de gênero.
A exemplo do COI, é necessário que as instituições jornalísticas se alinhem com as demandas da sociedade e com as entidades que as circundam, como faculdades de jornalismo, sindicatos e patrocinadores.
O desequilíbrio entre homens e mulheres no jornalismo foi evidente durante os Jogos, com inúmeros relatos de objetificação das atletas e comentários machistas na cobertura. Embora a paridade de gênero entre jornalistas não garanta a eliminação de tais comportamentos, certamente reduziria a frequência destes incidentes, ao diversificar as vozes que narram os eventos.
Apoio às mães
Outro ato inédito do COI foi a implementação de um programa de apoio às mães atletas. Clarisse Agbegnenou, tornou-se símbolo dessa mudança ao reivindicar o direito de amamentar sua filha durante os Jogos. A medida mostrou-se necessária e eficaz: Agbegnenou conquistou uma medalha de bronze, celebrando o feito com sua filha nos braços.
Além do direito de se alojar com os filhos em um hotel próximo à vila olímpica, as mães também puderam contar com um espaço dedicado às crianças durante os treinos e competições. A inclusão da maternidade como parte intrínseca da vida das atletas foi fundamental para que muitas delas pudessem participar dos Jogos em condições de igualdade.
No jornalismo, a lição é clara: para promover a equidade de gênero, é essencial que as empresas considerem as necessidades específicas das profissionais, como a maternidade. Criar condições que permitam a jornalistas mães conciliar o trabalho com a criação dos filhos não é um favor, mas uma necessidade para garantir que essas mulheres possam se manter e prosperar em suas carreiras.
Visibilidade feminina
Durante 16 dias, os olhos do mundo estavam voltados para as transmissões das competições, e a organização dos Jogos priorizou os horários nobres para as competições femininas. Outro movimento, em curso desde 2016, foi o esforço para promover competições mistas, como no judô, onde homens e mulheres competiram juntos, resultando em uma medalha de bronze para o Brasil.
A promoção da visibilidade feminina não se restringiu às competições. O nome de mulheres foi incluído em instalações esportivas, uma figura feminina foi usada no emblema do evento, e a narrativa dos Jogos foi moldada para destacar a importância da igualdade de gênero, desde a cerimônia de abertura até o encerramento.
A visibilidade, pilar fundamental dos movimentos de minorias, deve ser considerado também pelas instituições jornalísticas, que muitas vezes negligenciam a visibilidade das mulheres nas produções jornalísticas. Seja ancorando um telejornal, liderando um programa jornalístico ou produzindo grandes reportagens, a visibilidade feminina é quase sempre uma exceção e não a regra.
Ponderações necessárias
Apesar do avanço, é importante reconhecer que ainda há desafios a serem superados. O aparato midiático que destacou a equidade de gênero nos Jogos é, em parte, uma resposta à pressão social e ao interesse comercial. A paridade de gênero foi alcançada entre os atletas, mas ainda há uma disparidade significativa entre os treinadores e a comissão técnica, que permanecem majoritariamente masculinos. Além disso, a cobertura jornalística dos Jogos ainda foi marcada por um viés machista.
Para o campo jornalístico, as lições dos Jogos Olímpicos demonstram que mudanças estruturais são realizadas em etapas, exigem planejamento e precisam considerar as particularidades de gênero. Essas mudanças também devem envolver aspectos culturais que desafiem preconceitos arraigados, tanto dentro das organizações quanto na sociedade em geral.
Texto publicado originalmente em objETHOS
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Luiza Mylena Costa Silva é doutoranda do PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS