O problema era conceber um veículo para levar ao debate público idéias, estudos, comentários, artigos e ensaios com foco no desempenho de mídia. A solução, os pioneiros do Observatório, reunidos na organização dos seminários ‘A imprensa em questão’ (Unicamp, 1994-95), foram naturalmente buscar nos ditames da mídia de papel: primeiro, produzir livros; depois, criar uma publicação, revista que fosse (jornal nem pensar), um ‘produto’ bem-impresso, periódico, com redação montada, para funcionar como veículo jornalístico e também como fórum, de forma a ampliar o filão da crítica de mídia aberto no Brasil pela coluna ‘Jornal dos Jornais’, de Alberto Dines, publicada aos domingos na Folha de S.Paulo, entre 1975 e 1977.
Uma revista seria bem-vinda, mas os custos da iniciativa, sobretudo os de distribuição, eram já (pelo menos estes) impraticáveis. A bóia salvadora foi o surgimento de uma nova mídia, a internet, que então saía dos casulos da Academia e dos órgãos de Estado para dar os primeiros passos de uma operação comercial pública e aberta.
A primeira edição do Observatório da Imprensa foi para a rede na segunda quinzena de abril de 1996, produzida com a chancela do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e hospedada num servidor do Instituto Uniemp.
No início de 1997, com atualizações quinzenais (dias 5 e 20 de cada mês), o OI foi instado a levar seu conteúdo para o UOL, que recém-entrara em atividade. O responsável pelo convite foi Caio Túlio Costa, primeiro diretor do portal. É com ele a entrevista que se segue, feita por e-mail. Professor de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, Caio é um jornalista fora das redações e hoje trabalha no Grupo Semco, onde preside a Fundação Semco e dirige o Instituto DNA Brasil – um think tank destinado a pensar estratégias de longo prazo para o país.
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Lembra de sua primeira experiência com a internet?
Caio Túlio Costa – Sim, foi via conexão com a USP feita pela Maria Ercília Galvão Bueno num sábado à tarde, no apartamento da Bárbara Gancia, em 1994. Mas eu já estava acostumado aos serviços online porque era assinante da Compuserve desde quando morava na França, onde fui também um grande usuário do Minitel, uma internet pré-histórica cuja tecnologia a França não soube exportar. Na França, eu fui o primeiro correspondente da Folha de S.Paulo a enviar reportagens via computador. Quando me conectei à internet no Brasil, portanto, eu estava voltando um pouco atrás na tecnologia porque a Compuserve poderia ser considerada, então, muito à frente com o seu sistema proprietário. Depois, o sensacional desenvolvimento comercial da internet matou os sistemas proprietários, tanto da Compuserve quanto da Prodigy (associação entre Sears e IBM – alguém lembra?) e da então pequenina America Online (AOL). No Brasil existia ainda a BBS Mandic, que eu usei também.
Você é identificado com os primórdios da internet no Brasil por ter ocupado um cargo executivo de visibilidade, a direção do UOL. Antes, participou da implantação do Projeto Folha, ralou anos na Redação, assumiu uma corresponsalía em Paris e dois mandatos como ombudsman da Folha. O que significou, para o bem e para o mal, ter um jornalista (um ex-ombudsman) à frente de um portal de internet?
C.T.C – Não sei ao certo. Eu nunca pensei nisso e nunca me preocupei com isso. Em geral as coisas vão acontecendo e você não tem muito tempo para pensar. Eu acho que minha experiência na informatização da redação e o uso de computadores no jornalismo para transmitir dados e fazer pesquisas (alguma facilidade com a tecnologia) e, depois, minha experiência na Revista da Folha (cuidava da redação, da área comercial e da área industrial e gráfica) levaram a Folha a achar que eu poderia implantar o UOL. Foi o que fizemos, de forma intuitiva, viajando muito, observando como os outros faziam e implantando. Se eu parasse para pensar um pouco veria que estava fazendo alguma coisa impossível – como montar um portal que alia tecnologia, comunicação, informação e serviço ao consumidor sem nenhum modelo. Como ninguém sabia que era impossível, então o fizemos e criamos um forte concorrente de multinacionais respeitáveis como AOL e Terra (Telefonica). O fato de ter sido ombudsman talvez tenha me ajudado a montar o que considero, com orgulho, o melhor serviço de atendimento do consumidor da internet do Brasil. Para mim nada era mais importante do que o assinante.
Como conheceu o Observatório da Imprensa? O que motivou você a levar o site para o UOL?
C.T.C – A pergunta me faz lembrar do Alberto Dines e do Mauro Malin na salinha de reuniões que ocupávamos no fundo do terceiro andar da Alameda Barão de Limeira [em São Paulo, sede do Grupo Folha]. O Observatório já existia, nasceu antes do UOL, eu o conhecia e estava numa corrida danada para dar conteúdo ao UOL, para trazer mais produtos substantivos que dessem seriedade e credibilidade à operação. Já tínhamos o conteúdo da Folha, da IstoÉ (que saiu quando a empresa se associou à Abril), mas não tínhamos ainda os dicionários nem aquela infinidade de produtos editoriais que ajudaram o UOL a ser o que é. Convidei e o pessoal (também o Carlos Vogt) topou. Acompanhar a mídia é algo que está nas minhas preocupações e nada como um produto independente para realizar isso. O Observatório depois foi bastante cortejado por outros portais e manteve-se firme no nosso conteúdo até que numa das crises por que passamos levou-me a dizer ao Dines que não iríamos renovar o convênio. Foi triste. Mas me lembro que o OI não ficou um dia sem casa na rede e passou imediatamente para o iG.
Faz dez anos que internet popularizou-se no Brasil. Em maio, o OI começa o décimo ano de edições regulares na rede: nasceu com a internet e isso o determina. Os sites jornalísticos em geral chegaram à net pelo caminho inverso. Concorda que a internet foi decisiva para firmar a função social da crítica de mídia?
C.T.C. – Concordo que o OI fez o caminho inverso e sua raiz é a internet, portanto ele tem o gene da comunicação eletrônica, da convergência, e é muito fácil para ele se transmutar em outras mídias. Eu não diria que a internet tenha sido decisiva para firmar a função social da crítica de mídia – ainda mais porque o Alberto Dines fez isso no Brasil na década de 1970 e usou a mídia jornal [coluna ‘Jornal dos Jornais’, publicada aos domingos na Folha, entre julho de 1975 e julho de 1977]. Eu diria então que o OI tem o mérito de sistematizar a crítica da mídia, dar-lhe amplidão e múltiplas vozes.
Qual a maior lição deixada pelo estouro da bolha da internet, em 2000?
C.T.C. – Foram muitas lições e a primeira é a de que quão ingênuos todos nós podemos ser quando deslumbrados por movimentos inéditos. A grande maioria das pessoas, em especial milhares de investidores, perdeu mundos e fundos. Em segundo lugar, eu diria que o mundo continua movido pelos interesses das grandes corporações e com elas não existe ingenuidade; mas quem enxergou longe conseguiu firmar-se na rede (como o OI) – ou pulou fora na hora certa e, em geral, ganhou muito dinheiro. Outra lição é a de que a arrogância também tem perna curta.
Quer dizer algo mais?
C.T.C. – Vida longa ao Observatório de Imprensa e um abraço forte no Alberto Dines, cuja tenacidade e independência são invejáveis.