A recessão ainda vai infernizar os brasileiros por algum tempo, mas terminará, ninguém sabe quando, e depois? A economia será estabilizada, mas a partir daí deverá crescer muito devagar durante alguns anos. O Brasil, segundo todos os indícios, perdeu potencial de crescimento desde o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Isto define o desafio mais complicado para a fase pós-crise. A primeira providência é saber onde estamos.
Daí a importância de duas matérias publicadas no último fim de semana de março, uma pelo Estado de S. Paulo, outra pelo Globo. A do Estadão mostrou as dificuldades do governo até para tapar buracos nas estradas – uma situação desastrosa, num país muito dependente do transporte rodoviário. A outra foi diretamente à questão mais ampla e apresentou estimativas do PIB potencial. Por essas contas, o Brasil mal terá condições de crescer 1% ao ano, depois da primeira fase de recuperação.
Pautas como essas prestam um serviço especial aos leitores, porque vão além das informações necessárias – e sempre muito úteis –ao acompanhamento dos fatos do dia a dia. Saem da rotina, dão um passo além e confirmam a relevância política, no sentido mais alto, do esforço jornalístico profissional e organizado. Informação produzida de forma competente é matéria-prima da cidadania.
A avaliação dessas duas pautas dá uma ideia do critério seguido nestes comentários iniciados há pouco mais de onze anos. O convite foi formulado por Alberto Dines no começo de 2005. A ideia era contribuir para o debate profissional da cobertura econômica. Não houve recomendação especial, mas o objetivo parecia claro. Um jornalista com 45 anos de atividade (naquela época) e cerca de 40 anos de trabalho na área econômica deveria postar observações profissionais sobre as seções de economia.
O resultado desse trabalho deveria ser parecido com uma conversa de redação sobre pautas e coberturas. Como regra, procurou-se evitar a discussão partidária e ideológica, um detalhe ignorado por alguns leitores. Os comentários trataram, sim, dos pontos de vista implícitos ou expressos no material publicado, mas a partir de uma perspectiva profissional. O exemplo seguinte poderá tornar mais claro este ponto.
Há mais de um ano a economia americana vem criando cerca de 200 mil empregos por mês, com alguma variação para cima e para baixo. Detalhe importante: são basicamente vagas abertas no setor privado. Ocasionalmente as contratações ficam abaixo das estimadas pelos economistas do mercado financeiro e das consultorias. Quando isso ocorre, a palavra decepção pode aparecer em alguns títulos do noticiário, tanto lá quanto no Brasil. Aí cabe a pergunta: decepção para quem?
A indagação é relevante. A reação negativa é geralmente observada nos mercados de ações e justificada por fontes do setor financeiro. Isso nem sempre fica imediatamente claro para o leitor, ouvinte ou telespectador. Contar a reação dos mercados e a avaliação de seus agentes é parte importante da cobertura e um serviço sem dúvida muito útil. Mas é preciso esclarecer se a matéria assume a perspectiva do pessoal do mercado. Se esse for o caso, valerá discutir a decisão.
Não há nada ilegítimo em avaliar o mundo pelas lentes de um setor, mas há riscos inegáveis. Os analistas da área financeira trabalham com modelos tecnicamente respeitáveis, mas o mercado oscila de um dia para outro e as avaliações são formadas, com muita frequência, com base em objetivos de curto prazo. A complexidade da economia vai muito além dos indicadores levados em conta, normalmente, pelos operadores das bolsas e de instituições de crédito e de investimento.
Enfrentar essa complexidade é um dos maiores desafios para quem cobre os fatos econômicos e, de modo especial, a formulação e a execução de políticas. Uma dificuldade já é imposta pela divisão dos jornais e de outros meios de comunicação em áreas especializadas. Modelos de crescimento incorporaram há muito tempo os chamados fatores imateriais, como a educação, a ciência e a tecnologia.
O binômio economia e educação
Relatórios da Confederação Nacional da Indústria (CNI) muitas vezes têm mencionado a escassez de mão de obra qualificada e, mais que isso, de pessoal em condições de receber algum treinamento na fábrica. As deficiências educacionais são importantes obstáculos ao crescimento e à modernização da economia, no Brasil. Mas os cadernos de economia raramente publicam material sobre o ensino e as editorias de educação e ciência ficam longe, quase sempre, dos temas econômicos – exceto, é claro, quando se denuncia a falta de verbas para a escolas e instituições de pesquisa.
Tentou-se mais de uma vez, nos comentários, estimular a discussão sobre a conveniência de borrar as fronteiras burocráticas, nas redações, de aumentar a integração e a cooperação entre as seções e de estimular pauteiros e editores a olhar para os assuntos da vizinhança.
O estímulo deve tornar-se quase irresistível, quando estudos comparativos de competitividade envolvem assuntos como educação, pesquisa, inovação, segurança jurídica e padrões de administração pública. Mas editores e pauteiros normalmente resistem à tentação de se meter em outras áreas – embora nenhuma área seja de fato estranha ao jornalismo eficiente.
As barreiras ficam em pé, muitas vezes, mesmo quando se cobre a tramitação, no Congresso, de uma proposta orçamentária. A mistura entre os temas políticos e econômicos parece inevitável, em situações como essa, mas a divisão entre editorias e entre equipes acaba prevalecendo quase sempre. Editores podem negar esse fato, mas o efeito da separação acaba aparecendo no material publicado.
Com todas essas limitações, o jornalismo de economia tem marcado alguns pontos notáveis. A cobertura da política fiscal acompanhou com muita eficiência, especialmente a partir de 2012, a sucessão dos truques da contabilidade criativa e da maquiagem das contas. As mazelas da execução orçamentária foram mostradas, quase sempre, com rapidez e com muita clareza. Nenhum leitor dos grandes jornais pode falar em surpresa, quando se menciona a deterioração do quadro fiscal brasileiro.
A evolução dos principais indicadores macroeconômicos também foi acompanhada, de modo geral, com eficiência. Em duas áreas a cobertura regular tem sido menos eficiente, a do comércio exterior e a da agropecuária. Curiosamente, deveria haver um vínculo muito firme entre os dois temas. Afinal, o agronegócio tem sido há vários anos o principal fator de segurança da balança comercial. Parece haver sobrado, nas redações, pouca gente familiarizada com o agronegócio. A cobertura é escassa, boas histórias são perdidas e o assunto acaba condenado a aparecer, ocasionalmente, em cadernos especiais.
Os comentários têm sido produzidos principalmente com base nos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, com alguma incursão ocasional pelas revistas e pelos canais de televisão mais importantes. Não se trata apenas de limitar o acompanhamento e de torná-lo mais cômodo. Essas redações são as mais equipadas, em todos os sentidos, e seu trabalho – sem demérito para outros jornais – pode servir normalmente como referência para a profissão. Esse trabalho, vale a pena repetir, continua justificando a leitura dos jornais.