Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Chegamos aos 20 anos com um duplo desafio

De uso restrito servia como metáfora, na melhor das hipóteses para acompanhar fenômenos planetários, no espaço cósmico. Jamais cogitado para verificações mais próximas, um observatório e o verbo ao qual geminou-se – observar – ganhou usos e conotações inesperadas. A principal delas: intervir em fenômenos sem a resistência dos observados. Saiu da esfera da astronomia para a social, trocou a dimensão macro pela micro, saltou da condição passiva para assumir-se plenamente como agente transformador.

Ilustração Andrea em baixa

Ilustração por Andrea Baulé

Desenvolvido e posto para funcionar em 1996, o Observatório da Imprensa foi uma das criações do LABJOR, Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Unicamp, encarregado de transferir da academia para a sociedade o intenso debate sobre a qualidade e os rumos da comunicação social no Brasil. Cumpria assim o seu papel pioneiro entregando a quem de direito – leitores, ouvintes e telespectadores — a responsabilidade de discutir, observar e, se possível, livrar o media criticsm – a crítica da mídia – de alguns de seus maneirismos acadêmicos sem despencar no pragmatismo algo cínico dos luminares do mercado.

E fez mais: instalou este Observatório da Imprensa numa plataforma então ainda experimental, a Internet, pouco conhecida e que em apenas duas décadas consolidou o mais formidável salto tecnológico da história das comunicações.

Inicialmente irregular, depois quinzenal, semanal, diário, mas sempre periódico o Observatório jamais entregou-se ao fluxo contínuo e à inevitável pulverização do noticiário. No tumultuado mercado de ideias e opções da última década do século dos confrontos, o Observatório da Imprensa trouxe uma contribuição decisiva. “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”, o moto proposto por um entusiasmado leitor, imediatamente converteu-se em ferramenta para fomentar um salutar ceticismo e desfazer a onipotência oriunda dos tempos da ditadura.

Um jornalismo capaz de discutir o jornalismo (processo hoje designado como meta-jornalismo), abriu o caminho para o fim do embargo tácito porém rigoroso que, ao longo de dois séculos, manteve a imprensa brasileira infensa à transparência que ela própria cobrava dos demais poderes.

Sem a disrupção, hoje apontada como essencial para promover avanços, o Observatório da Imprensa ajudou a instilar numa democracia, com apenas seis anos de idade, a consciência crítica que devidamente difundida através do conjunto de veículos jornalísticos sobretudo na esfera privada, teria poupado a sociedade brasileira de solavancos e sobressaltos desnecessários. Inclusive os atuais.

Dois anos depois, 1998, primeira e única adesão: o Observatório da Imprensa na internet passou a contar com uma versão televisiva, nacional e aberta, na tradicional TVE, estatal sediada no Rio de Janeiro e antecessora, da TV-Brasil.

Durante as últimas 936 semanas, às terças (e agora às quintas, 23 horas), geralmente ao vivo, com participações em três praças (S. Paulo, Rio e Brasília), colaboradores nos quatro cantos do mundo e apresentação cuidada, o OI-TV procura levar ao cidadão-telespectador geralmente tão carente de conteúdo adulto, uma pauta capaz de fazê-lo sentir-se respeitado, como um ser pensante apto a fazer juízos e cobrar respostas.

A reação dos lobbies da mídia privada

As reações não demoraram: um crítico designou o programa como “o mais chato da TV brasileira”, dezoito anos depois o crítico evaporou e o programa ao qual votou o seu desprezo continua firme, alheio aos fetiches dos ibopes, alimentado pelas redes sociais. Para os lobbies da mídia privada, os dois Observatórios da Imprensa são entidades-fantasma, invisíveis, proibidos de aparecer e serem reconhecidos. As dezenas de estagiários que passaram pelas duas equipes e hoje ocupam posições relevantes em grandes veículos, não são estimulados a exibir seus currículos.

Com seu horror a alternativas e alteridades, a sociedade brasileira escolhe os seus certinhos e encarrega sua imprensa de transformá-los em paradigmas. Isso explica as esgarçadas repetições, a longevidade dos preconceitos e a rápida, fulminante, obsolescência de suas quimeras.

Neste tumultuado e imprevisível, o Observatório da Imprensa recusa o desânimo e o desconsolo para assumir um duplo desafio: comemorar condignamente os 20 anos do seu site (em abril) e os 18 anos do seu programa de TV (em maio).

Integradas ou em paralelo, nunca desgarradas ou solitárias, pretendemos converter as duas plataformas do Observatório numa convocação única, permanente, intransigente, em defesa do jornalismo de qualidade – equidistante, plural, humanista, comprometido com os valores que fizeram dele o motor do processo civilizatório e não apenas um mero canteiro de tecnologias.