Chamou a atenção de meio mundo de leitores o anúncio da Peugeot na página central da Folha de S.Paulo do domingo (12/6), Dia dos Namorados. Além de propor um test drive no modelo 307, eleito por uma revista especializada o melhor negócio do ano e vendido numa promoção por menos de 50 mil reais, o anúncio traz em seu interior outra página dupla, esta do noticiário da própria Folha, dedicado ao episódio do mensalão. Um outdoor flamejante.
Qual o objetivo da agência Carillo Pastore/Euro RSCG, que produziu o anúncio? E o objetivo de seu cliente, que até então agia tradicionalmente no mercado da propaganda? Evidentemente, vender o carro. Mas não foi só.
‘Os especialistas testaram tudo para eleger o Peugeot 307 o melhor. Você só precisa dar uma voltinha’, diz o texto no alto da página. O carro está emparelhado com o escândalo contido na página. A diferença é que o jornal e o escândalo pararam diante de uma faixa de pedestres, onde estão uma mulher, uma criança e um cachorro. O carro não tem faixa alguma que o impeça de avançar. Não há sinal de trânsito à frente. Parece esperar uma decisão da mulher. Mulher, ensinam os publicitários, é quem compra o carro da família. Será isso o que o anúncio quis tornar explícito?
Testemunhal da Hebe
No anúncio, o carro vai passar de qualquer maneira, pois não tem sinal que o pare. E o escândalo, vai atropelar a família brasileira? Foi o que o diretor de criação quis dizer? Ou o subtexto é exatamente ‘dar uma voltinha’, fugir um pouco desse insensato mundo e de um país cheio de políticos corruptos, nem que seja para um rápido test drive? Talvez dizer apenas que o carro é uma notícia e tanto? Ou, ainda, quem sabe, atingir um target super-específico: executivos tucanos bem-humorados que a bordo do Peugeot 307 estariam não apenas desfrutando do conforto e da potência da bela máquina, mas também participando de um protesto metalingüístico contra o governo do arqui-rival PT?
Está certo que o governo Lula mereça levar bordoadas… mas da propaganda?
Não que seja novidade. Tivemos vários anúncios com personagens cara-pintadas no tempo do Collor. O experiente e talentoso publicitário Carlos Pedrosa, da Contemporânea, lembra passagem hilariante da Hebe Camargo quando se desencantou com a ‘República das Alagoas’ e transformou seu programa de auditório em palanque. Num dos intervalos comerciais, a apresentadora tascou algo assim:
‘Minha amiga, participe de manifestações, de passeatas, pois assim estará exercendo seus direitos e deveres cívicos, mas não esqueça de usar antes o desodorante Monange. Sabe como é, né? Você vai ficar horas caminhando, no meio daquela gente toda, e um banhozinho antes da passeata só não vai resolver. Com Monange, você vai ficar mais tranqüila…’
Eu mesmo guardo uma recordação dos meus 10 anos de idade. Fui comprar cerveja para o meu avô, em um boteco do subúrbio carioca da Abolição, e rolei de rir com uma caricatura. O dono do bar desenhava bem e, durante anos, via sempre o anúncio da cachaça Pitu, que havia na parede do bar. Seu Meireles aproveitou usou um espaço do cartaz para caricaturar o ex-presidente Jânio Quadros dizendo, em um balãozinho: ‘Provei a cana e prová-la-ei (sic) de novo. É da boa!!!’.
Piadas reais
Não importa se o Conar proíbe esse tipo de propaganda. O que eu gostaria de saber é a opinião do Duda Mendonça, o marqueteiro que esqueceu da cuidar da própria imagem. Como ele reagiria a esta peça?
Outra opinião que me interessa é a do ministro Luiz Gushiken e de toda a equipe que cuida de comunicação no governo Lula, área da qual o jornalista Ricardo Kotscho retirou-se por decisão pessoal, e à qual outro jornalista, Wilson Timóteo, o Tom, pertenceu apenas na época da campanha presidencial, pois uma fatalidade o impediu de trabalhar para o governo que sonhou durante tantos anos ver no poder. Governo liderado por um homem que, no tempo em que era oposição, manteve excelente relacionamento com os jornalistas, mas que, ao chegar ao poder, mal aconselhado, levou anos para conceder uma entrevista coletiva.
A leitura de uma nota na Meio & Mensagem jogou mais luzes sobre o mistério. Na verdade, o que a agência fez foi criar o anúncio e deixar o retângulo em branco para que cada jornal o preenchesse com uma de suas páginas. Ou seja, o frisson todo não foi causado pela agência nem pelo anunciante, a fábrica do leão, conhecida no mercado pela austeridade gaulesa que adota em suas inserções comerciais.
Era um anúncio da própria Folha, que poderia ter escolhido qualquer outra página de sua edição e optou por uma bem, digamos, escandalosa.
Um veterano e bem-humorado homem da propaganda aposta que não vai demorar muito para que situações antes previstas apenas como piadas se tornem reais, como a de uma hipotética inserção da Coca-Cola na Missa do Galo. Ao fim da cerimônia, o Papa Bento XVI diria a mais de 1 bilhão de fiéis espalhados pelos cinco continentes: ‘Ite missa est. Coke is the best!’.
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Jornalista