Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marketing de drogas ou droga de marketing?

A revista Exame, uma das mais conceituadas publicações de negócios do país, em sua edição de 10 de julho de 2002, páginas 81 e 82, na coluna ‘Gestão Esperta’, editada por Cynthia Rosenburg, com texto assinado por Daniela Diniz, relata um case muito sugestivo.

A Bacardi recrutou 35 universitários, estudantes de Comunicação, de 19 a 23 anos, que a procuraram em busca de um estágio, para trabalhar como ‘marqueteiros’ (a expressão está na revista e não é invenção desse colunista). Objetivo: aumentar a participação da empresa em bares e danceterias, especificamente do produto Bacardi Breezer, uma espécie de soda alcoólica. A estratégia descrita por Daniel Goldfinger, gerente da Bacardi, ‘era que fizessem uma lavagem cerebral até o cliente aceitar o produto’ (página 82 da revista), com a cumplicidade dos proprietários das casas noturnas (‘eles estudam a casa e criam estratégias que geram um reflexo direto no caixa’, justifica um deles).

O trabalho, porém, não se resumiu a este ambiente, mas, como explica a revista, se estendeu para ‘a inclusão da bebida em festas universitárias. Eles promovem eventos durante a festa para que os estudantes, além de se divertir, consumam a bebida’ e têm até uma promoção: ‘a quarta bebida por conta’. E contabilizam recordes: Maria Fernanda de Mattos, de 22 anos, vendeu 620 caixas numa festa universitária e já foi promovida a trainee, com direito a ‘carro da empresa para trabalhar e um rádio para se comunicar com os colegas’.

Alerta às universidades

A lição de marketing da Bacardi, que inclui lavagem cerebral de cliente e estímulo ao consumo de álcool entre os jovens, mostra que muitas empresas ainda estão distantes da chamada responsabilidade social, pregada a quatro ventos, até porque comete os maiores exageros em nome do lucro. Na verdade, é estranho que a revista Exame tenha propalado o case sem qualquer espírito crítico, aderindo à tese de que guerra é guerra, não há princípios a preservar.

Há duas preocupações a ressaltar: 1) que o case sirva de estímulo para outras empresas, atraídas pelo espaço oferecido pela Exame para um exemplo tão danoso de marketing (na verdade, nem é novidade porque os traficantes de drogas já usam essa estratégia há muito tempo!); e 2) que a Bacardi, que não fica vermelha de confessar lavagem cerebral de cliente e estímulo ao consumo de álcool entre os jovens, possa se sentir nas nuvens e concorrer a um prêmio de marketing por isso. Que tal algum dos oferecidos pelo Instituto Ethos ou o Prêmio ADVB de Responsabilidade Social? ‘Bacardi, a empresa cidadã’. Que tal a Bacardi se entender com a Souza Cruz e realizarem, juntas, uma promoção que contemple jovens que fumem bastante com bebida e jovens que bebam bastante com maços de cigarros? Quem sabe, se os resultados forem muito bons, a revista Exame não lhes dedica uma matéria de capa?

Um alerta aos responsáveis pelas nossas instituições universitárias: tem gente faturando à custa da saúde dos universitários. Vamos nos livrar deste marketing do pileque?

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Jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP