Sim, a mulher é a grande responsável pelo consumo, inclusive familiar. Numa média global nacional, elas são responsáveis por 80% das decisões de compra – o que inclui desde a fralda do nenê até a cueca do marido, passando pela alimentação da família e pelos cosméticos femininos – e masculinos, cuja compra ela efetua.
No varejo há tempos que se descobriu isso: as primeiríssimas responsáveis são as mulheres, em seguida vêm as crianças, depois cachorros e bichos de estimação e, finalmente, os homens.
Sim, as mulheres se sensibilizam com apelos diferenciados (jamais comprariam um produto que anuncia implicitamente ter o poder de fazer a garota-propaganda deixar cair o biquíni, por exemplo), e o apelo que as sensibiliza nunca é tão somente o estético. A praticidade, a garantia de qualidade para o atendimento das necessidades familiares, o preço, a qualidade e a aparência do produto (que denota muitas qualidades intrínsecas) têm a sua importância na decisão de compra. A estética não é o principal item de decisão. Ninguém – nem mesmo uma mulher – compra um carro pelo espelho interno para retocar o batom.
Sem futilidade
É claro que o carro tem que ter um bom desempenho, ser econômico em seu consumo, ser confortável (o que implica podermos nos sentar confortavelmente, entrar e sair confortavelmente, ter um bom espaço para as compras, conforto e segurança para as crianças e, por que não, ser esteticamente agradável. Não lhe basta que o carro denote potência e seduza belas mulheres, como no caso dos carros cuja comunicação é dirigida aos homens. Há outros fatores a serem observados.
Assim como nos serviços públicos, também há outros fatores a observar. O ônibus, por exemplo. Aos homens, interessa que ele faça o percurso mais curto possível entre sua casa e o local de trabalho – o que corresponde a seu percurso e a suas necessidades diárias. Já às mulheres interessa que o ônibus passe pela escola, onde ela tem que deixar os filhos, pelo posto de saúde, onde ela eventualmente tem que ir (por necessidade sua ou dos demais membros da família), além de levá-la ao seu local de trabalho. Isto, sem falar da ergonomia – a altura do degrau, para que possamos subir sem expor as coxas ou a cor da calcinha, a altura da barra ou ganchos, para que possamos nos segurar sem ter que ficar na ponta dos pés quando não há lugar para sentar – necessidades que também vêm sendo gradativamente contempladas pelos fabricantes de ônibus e pelos serviços públicos.
São demandas que não remetem à futilidade, como parece insinuar o artigo ‘A era da mulherização’, da IstoÉ Dinheiro nº 360 (http://www.terra.com.br/istoedinheiro/), de 28/7/04 – são necessidades e demandas das mulheres, que têm que ser respeitadas enquanto consumidoras e enquanto cidadãs.
O devido respeito
E que contribuem para a humanização do mundo, para a feminilização dos produtos e equipamentos urbanos – não se limitando à ‘mulherização’ apontada no referido artigo e lamentavelmente, talvez, também na percepção de alguns fabricantes desavisados e deslumbrados com o poder de decisão desta metade da humanidade, a quem tem cabido a sobrecarrega de uma dupla jornada de trabalho – além da dita ‘produtiva’, a doméstica – necessária, geradora de valor social e econômico socialmente escamoteados.
Quando as mulheres acordam para o enorme poder que têm nas mãos (também) enquanto consumidoras, elas mudam a face da sociedade, passando inclusive pela imagem produzida pela comunicação de produtos. Foi por força desta pressão que a Kaiser descontinuou o claim segundo o qual ela se dizia especialista ‘em cerveja e mulheres’, assim como foi por conta disso que uma mecânica autorizada da VW, no RN, levou um puxão de orelhas da matriz por um anúncio pretensamente espirituoso em que usava a imagem do rosto machucado de uma mulher para a venda de seus serviços. Ambas, aliás, foram condenadas pela Justiça brasileira a não só descontinuar a propaganda, como a bancar um ressarcimento às mulheres e à sua consciência crítica (patrocinando um seminário em que as mulheres discutirão a mercantilização e os abusos cometidos com sua imagem nos meios de comunicação de massa).
Se a moda pega – como parece prometer – não há espelhinho nem estojo de batom que possa deter a exigência das consumidoras (já que se tem mais respeito pelo nosso poder de consumo do que pela nossa cidadania) de serem tratadas com o devido respeito – mesmo nos produtos, na programação e na propaganda em que não sejamos o foco principal.
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Psicóloga e pesquisadora do Instituto Opinião