O mundo veio abaixo (e com razão) quando uma universitária paulistana postou no Facebook a imagem de uma mulher amamentando e com a legenda: “Pobre fazendo pobrice”. A pressão inacreditável sobre as mães que alimentam os filhos em público é apenas uma das facetas de um processo histórico de interdição da mulher, que, vez por outra, ganha eco em olhares que reprovam ou estranham um ato natural.
Diante disso, legislações punitivas podem ajudar, mas não tratam do essencial: o poder da amamentação. O mundo da propaganda, como caminho lógico de sanção ao desrespeito, já teve garantida a proibição de peças e ações mercadológicas de produtos destinados a atrair os olhares de pais e filhos. Publicidade e jornalismo não podem cair no mesmo erro de valorizar mais a punição do que a educação.
Esse caminho punitivo foi aberto no último dia 3 de novembro pela presidente da República, Dilma Rousseff. Ela assinou o decreto que regulamenta a Lei 11.265. Trata da criação de regras para publicidade de produtos comercializados que podem atrapalhar no processo de amamentação. De acordo com a nova regra, propagandas de leites artificiais, papinhas, mamadeiras, chupetas e outros produtos relacionados à criança estão proibidas de serem veiculadas em meios de comunicação. A proposta também vale para as embalagens dos produtos: fica vetada a utilização de textos que induzam ao uso, fotos e até mesmo imagens contendo personagens de desenhos infantis ou que possuam simbologia destinada a esse tipo de público. Os rótulos devem conter a idade correta para a utilização e, no caso de produtos como mamadeiras e chupetas, é necessário informar sobre os prejuízos que o uso desses materiais pode causar a curto, médio e longo prazo. Uma pancada nas empresas, mas que sobra, logicamente, para as agências, que vão precisar de muita criatividade para vender a imagem do cliente.
O objetivo do decreto é o de estimular o aleitamento materno, evitar o uso indiscriminado de produtos que possam afetar de forma negativa o desenvolvimento das crianças e impedir a agressividade mercadológica relacionada às ações promocionais desse tipo de item. A recomendação do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a amamentação seja realizada até os dois anos de idade ou mais, a fim de prevenir doenças como obesidade, diabetes e hipertensão arterial.
Frases de intolerância
Não há como negar a importância do aleitamento materno e seus benefícios para as crianças e de suas mães. Também é fato que a publicidade desses produtos pode influenciar no processo de decisão de compra, o que induz pais a buscarem uma alternativa que teoricamente auxilie na rotina cada vez mais acelerada. Em âmbito geral, as restrições são válidas. Entretanto, há de se observar o fato de que apenas essas proibições não irão mudar o comportamento daqueles que se utilizam desse tipo de produto. O Código de Ética dos Profissionais de Propaganda aponta que as crianças devem ser especialmente protegidas. Trata também de valorizar os princípios de cidadania. “O profissional de propaganda, para atingir aqueles fins, jamais induzirá o povo ao erro; jamais lançará mão da inverdade; jamais disseminará a desonestidade e o vício (artigo 3º)” e “No desempenho do seu mister, o profissional de propaganda agirá sempre com honestidade e devotamento com seus comitentes, de modo a bem servir a eles e à sociedade” (artigo 4º).
O fato é que a regulamentação da publicidade de produtos que podem interferir na amamentação é necessária, mas sozinha não é eficaz. Para atingir as metas de segurança alimentar direcionada às crianças pequenas é necessário assegurar políticas apropriadas que informem as consequências da utilização dos itens em questão, incentivar a amamentação das crianças até a idade correta e demonstrar como o desmame precoce pode afetar de forma definitiva o desenvolvimento infantil. Isso também pode ser um trabalho de comunicação, o que inclui publicidade e jornalismo.
O desafio é grande: de acordo com a Pesquisa Global sobre Aleitamento Materno 2015, realizada por uma marca de produtos para amamentação, no Brasil, 26,6% das mães amamentam exclusivamente por mais de seis meses, e 29,9% por quatro a seis meses. A pesquisa ainda aponta o Brasil como o país onde as mães mais sofreram preconceito ou foram criticadas por amamentar em público. A porcentagem é alarmante: 47,5% das mães brasileiras já sofreram esse tipo de crítica enquanto a média global é 18,1%. A Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno, realizada em 2008 pelas Secretarias Municipais de Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde e Ministério da Saúde, a duração mediana do aleitamento materno exclusivo foi de 1,8 meses (54 dias). Ainda sobre a pesquisa, no primeiro ano de vida, 42,6% das crianças usaram chupeta e 58,4% mamadeira.
Para os comunicadores, não adianta também promover frases de intolerância nem que seja para condenar. Com a revolução digital, o número de compartilhamentos pode fazer com que mesmo as mais interessantes iniciativas se percam numa espécie de telefone sem fio em mídias sociais. As mães devem amamentar em qualquer lugar, sem interferências, julgamentos ou chororôs de adultos bebezões.
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Laylla Nepomuceno e Camila Campos são estudantes de Publicidade