Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

‘O tempo passa, o tempo voa…’

Uma acidental lembrança do saudoso jingle da já extinta Poupança Bamerindus me alerta para a dura constatação de que os tempos são outros. Para todo mundo, claro, mas como quero destacar aqui, em particular, para a propaganda.

É que eu sou de um tempo em que agência de propaganda não anunciava a si própria. Não era ético. No máximo, o que as agências se permitiam era um logotipo nas Páginas Amarelas ou anúncios em publicações dirigidas e especializadas, como as revistas Propaganda e Marketing, os anuários de propaganda ou de mídia e jornais como Meio & Mensagem. Também eram assunto na TV, num programa voltado exclusivamente para o próprio mercado da propaganda, o Intervalo. Havia ainda uma ou outra agência mais esperta (esperta no bom sentido, já que essa palavra, hoje, ganhou um predominante caráter pejorativo) que sabia aproveitar ocasiões especiais, como uma conquista de Copa do Mundo, a queda do Muro de Berlim, a promulgação de uma nova Constituição ou a comoção pela morte de um ídolo nacional para a veiculação de institucionais – ao melhor estilo dos anúncios que costumavam criar para seus próprios clientes, nessas oportunidades.

Hoje, não. A gente já pode ver agência vendendo seu peixe em qualquer revista ou jornal, grandes outdoors, painéis de empena, busdoors e até abrigos de ônibus. Algumas até já deram as caras na TV – algo impensável até algum tempo atrás.

Das duas, uma: ou as agências só agora descobriram que o Chacrinha estava certo (‘quem não se comunica se trumbica’) ou a coisa está feia para todo mundo…

Cíceros, overlay, fotolito…

Isso tudo talvez me torne aquilo que os garotos podem chamar de ‘velho no negócio da propaganda’. Talvez tenham razão. Só não sei se ‘velho’, no caso, pode ser entendido como ‘dotado de grande conhecimento e experiência acumulados’, ou se teria alguma conotação pejorativa. Não importa.

Mas, refletindo sobre as mudanças testemunhadas ao longo de 30 anos de atuação entre a publicidade e o jornalismo, diverti-me relacionando algumas transformações impostas pela evolução ou pela obsolescência de certas práticas nesse ofício.

A relação segue abaixo e, quem quiser, pode tentar complementá-la:

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando descobre que é o único entre os redatores da agência que sabe de cor a letra completa do jingle das Casas Pernambucanas.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando comenta que, no seu tempo, teria usado Letratone para o acabamento de uma ilustração e todo mundo olha para você com cara de ‘O que é esse troço aí que você falou?’

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando descobre que é o único da turma que sabe o que significa a sigla DPZ.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando descobre que o pessoal de RTVC nunca fez um table-top.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando lembra que houve um tempo em que tudo o que você queria era trocar a régua T de madeira por uma régua paralela em acrílico.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando lembra que já foi layoutman.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando descobre que é único na agência que ainda sabe o endereço de uma clicheria – e o que se faz lá.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando, ao se referir, numa palestra, a ‘régua de cíceros’, ouve alguém perguntar baixinho a quem estava ao lado: ‘Esse tal de Cícero era diretor de arte?’

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando encontra, no fundo de uma gaveta, sua primeira arte-final, em p&b, retocada com guache branco e recoberta por um overlay de papel manteiga com indicações de cor e aplicação de benday a 20%.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando conta que, um dia, chegou a bolar um slogan muito legal para a campanha das Diretas Já.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando lembra que houve um tempo em que todas as campanhas de grandes anunciantes de varejo incluíam cupons de descontos publicados nos jornais.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando o estagiário do Tráfego chega para você e pergunta: ‘Esse tal de ‘fotolito’ é, tipo assim, o quê?’

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando constata que é o único autodidata de toda a agência.

** Você percebe que é velho no negócio da propaganda quando…

Bom, se você, leitor, for capaz de acrescentar à relação mais quatro ou cinco itens, você corre o risco de também ser considerado ‘velho nesse negócio’.

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Jornalista e publicitário, de Belo Horizonte (http://naoeumabrastemp.zip.net)