Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

2023 foi chamado de o ano dos extremos, o que falar de 2024?

(Bruno Peres/Agência Brasil)

O fim de ano se aproxima e neste momento a imprensa já se organiza na tarefa de realizar reportagens especiais, retrospectivas e trazer perspectivas para o próximo período. Ao pensar sobre 2024, poderíamos dizer que foi um ano de extremos, mas 2023 já havia sido. Ano passado, o jornal O Globo titulou assim o seu especial: “2023, o ano em que o futuro de extremos e fúria das mudanças climáticas se tornou o presente: Furacões no deserto, dilúvios e longas ondas de calor de mais de 40ºC assolaram o planeta”.

Observando a cobertura do desastre socioambiental do Rio Grande do Sul em 2024 e também como o tema da emergência climática impactou o debate público, político e eleitoral em Porto Alegre, apontou-se que, embora a população esteja mais preocupada com o tema, não demanda dos representantes que estes estejam comprometidos com as ações ambientais, tanto para a diminuição das emissões, quanto para a prevenção e adaptação aos eventos extremos. O jornalismo, portanto, não pode abrir mão da interpretação dos fatos, não deve apenas noticiar as tragédias, trazendo comoção quando a cidade estava debaixo d’água, mas necessita aprofundar e complexificar essa pauta. Como anotaram Isabelle Rieger e Ilza Girardi, o jornalismo, de maneira geral e com algumas exceções, deixou de apontar o desastre climático de forma mais aprofundada no cenário eleitoral, relacionando os projetos em disputa, e de como as escolhas e definições das políticas públicas e dos representantes eleitos são parte do problema ou da solução. O jornal Correio do Povo, em análise de Sérgio Pereira, mereceu reconhecimento ao fazer entrevistas aprofundadas com as candidaturas debatendo a questão das enchentes na capital.

Entre as principais notícias ambientais de 2024, tivemos também a intensificação de queimadas e a crise climática em diversos biomas brasileiros, particularmente na Amazônia, com uma seca histórica. Por exemplo, de janeiro a outubro, a WWF divulgou que os incêndios “cresceram 51% na Amazônia, 69,5% no Cerrado e 639% no Pantanal em comparação ao mesmo período em 2023”. As queimadas, em grande parte criminosas, aumentam os níveis de gases de efeito estufa e ameaçam a biodiversidade e a saúde pública, além de gerar impactos econômicos significativos. São muitos fatos graves neste cenário e o público pode ter dificuldade em acompanhar, daí porque Débora Gallas indica a necessidade de o jornalismo apontar e debater soluções para as crises, estabelecendo um ponto de análise para a ação.

2024 efetivamente não ficará esquecido, pois foi o ano mais quente já registrado no Hemisfério Norte, como noticiou o GZH. Estes dados saltam em vários noticiários mundo afora, assim como o espaço para as conferências internacionais. A revista Carta Capital avalia que “novembro é um mês decisivo para a agenda climática global: saímos da COP 16 de biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e seguimos para a reunião do G20 no Rio de Janeiro, a COP 29 em Baku, Azerbaijão”. Ou seja, de ano a ano, o mundo assiste às Conferências ambientais que entregam anúncios e acordos, porém com pouco impacto, já que são dificilmente convertidos em ações efetivas. Um outro exemplo, sobre a definição de como se dará o financiamento para a transição energética, tema discutido há décadas sem acordo efetivo. Com isso, o lobby do petróleo se mantém forte como podemos observar no caso brasileiro, mesmo o país sendo a sede da COP 30 em 2025 na cidade de Belém (PA), há disputa interna no governo Lula sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas no litoral do Amapá. Apesar de um recente parecer pelo indeferimento da licença ambiental, assinado por 26 técnicos, como noticiou o Clima Info, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deu prosseguimento ao processo. Na reportagem da DW, ficam evidentes os possíveis prejuízos ambientais de tal empreendimento, e de como o caso da Foz do Amazonas pode abrir precedentes para facilitar outros licenciamentos questionáveis, assim trazendo um contexto importante ao leitor.

De uma maneira geral, encontramos diariamente notícias ambientais e climáticas, em função de que os efeitos do aquecimento global e da superexploração da natureza exaurem os limites do planeta e já fazem parte do nosso cotidiano. O jornalismo em várias frentes está atuante. No entanto, é preciso refletir sobre as formas de abordagem destes temas, para que as pessoas consigam exercer a cidadania plena de direitos, que inclui o direito ao ambiente equilibrado e à participação nas definições das políticas ambientais. Se a era dos extremos climáticos já chegou, no jornalismo é preciso abandonar a superficialidade na abordagem ambiental e climática, para dar lugar ao olhar sistêmico, como um exercício diário para a compreensão do que está em jogo na pauta climática. Portanto, cada vez mais o jornalismo precisa manter o foco para uma cobertura complexa, que evidencie os interesses, conflitos, causas, consequências, desafios e soluções.

Reportagem publicada originalmente em Jornalismo e Meio Ambiente.

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Cláudia Herte de Moraes é jornalista, doutora em Comunicação e Informação, professora na UFSM. Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). Líder do Grupo Mão na Mídia (CNPq/UFSM). E-mail: claudia.moraes@ufsm.br