Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A falta de crítica da imprensa sobre o mercado de carbono

A Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou no início de outubro, o projeto de lei (PL) 412 de 2022, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil. Aprovado de forma terminativa, o PL já tramita na Câmara do Deputados.

O texto do PL institui um órgão regulador, denominado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que será o responsável por determinar os setores da economia sujeitos a tetos de emissões e por conceder permissões de emissão às empresas. Cada uma dessas autorizações de emissão, chamadas de Cotas Brasileiras de Emissões (CBE), equivale a uma tonelada de CO2 ou o equivalente em outros gases de efeito estufa.

Ficam sujeitas ao SBCE empresas e pessoas físicas que emitirem acima de 10 mil toneladas de gás carbônico equivalente (tCO2e) por ano, que devem monitorar e informar suas emissões e remoções anuais de gases de efeito estufa. Quem emitir acima de 25 mil toneladas de CO2 ficará sujeito a regras mais rígidas, com previsão de sanções e multas para os casos do descumprimento de metas.

Resumidamente, no mercado de carbono, os setores regulados recebem permissões para emitir uma certa quantidade de gases poluentes. Quem emitir menos que a sua cota pode vender o seu saldo positivo para empresas que excederam os seus limites de poluição.

O valor de cada crédito de carbono depende do mercado onde ele é negociado. No mercado voluntário, o crédito tende a ser mais caro do que o do mercado regulado. Hoje, no Brasil, existe somente o mercado voluntário de carbono, no qual qualquer empresa, pessoa ou governo pode gerar ou comprar créditos de carbono, que são auditados por uma entidade independente, porém, não são contados nas metas de redução de emissões de países no Acordo de Paris. Ou seja, a demanda nos mercados voluntários de carbono não surge a partir de um teto regulatório, mas de empresas e indivíduos que desejam voluntariamente compensar ou neutralizar sua pegada de carbono, e de investidores que exigem que as empresas de seu portfólio se tornarem neutras ou zero carbono.

O mercado de carbono não é novidade. Fala-se nele desde o Protocolo de Quioto, em 1997. No Brasil, contudo é uma expressão que tem aparecido na mídia com mais frequência nos últimos anos, especialmente com o boom do ESG (Environmental, Social and Governance) e dos compromissos empresariais com a sustentabilidade.

A aprovação do PL foi noticiada em grandes veículos, que além de explicarem o conteúdo da proposta do legislativo, destacaram a ausência no texto da regulamentação ao agronegócio. A Frente Parlamentar Agropecuária negociou com a relatora do projeto, a senadora Leila Barros (PDT/DF), para que o agro ficasse de fora. A justificativa é que não existem formas precisas para medir a emissão de carbono de atividades do campo e que os principais mercados de carbono do mundo não incluem a agricultura e nem a pecuária.

Um estudo inédito do Observatório do Clima, lançado na terça-feira (24/10), estima que os sistemas alimentares responderam em 2021 por 73,7% (1,8 bilhão de toneladas) das 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa lançadas pelo país na atmosfera. Conforme Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, “esse relatório deveria ser lido pelos representantes do agronegócio e pelo governo como um chamado à responsabilidade”.

Assim, voltando à repercussão do PL, os veículos de imprensa cumpriram o seu papel em noticiar o fato, explicar o contexto, como os sites do Globo Rural, da CNN Brasil, do Valor Econômico, do Estadão. Alguns destacaram a falta de inclusão do agro como JOTA e o Money Times. O site O Eco analisa, por meio da opinião de dois especialistas, como ficará a regulamentação sem o agro. O Capital Reset também propõe uma reflexão sobre o tema.

Apesar de ser um tema complexo e de relevância socioambiental para o Brasil, não são percebidas nestas coberturas nenhuma preocupação com os pressupostos do Jornalismo Ambiental. Nota-se que as notícias não propõem um questionamento sobre a real eficácia do mercado de carbono em tempos de emergência climática, ou se é uma solução eficaz para contribuir com a descarbonização do país. Este tipo de cobertura também não prioriza a aproximação com o leitor não especializado. Não há a intenção de engajar e envolver o público para uma tomada de posição ou para uma reflexão sobre o tema.

O assunto ainda é embrionário no Brasil, integra a agenda do atual Governo Federal e do mercado. Assim, mesmo que utópico, se faz necessário insistir para que a imprensa, de modo geral, amplie o olhar para a complexidade do tema e busque abarcar vozes, saberes e alternativas que expandam o debate vigente de forma mais crítica.

Reportagem publicada originalmente em Jornalismo e Meio Ambiente,.

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Janaína C. Capeletti é jornalista, mestranda em Comunicação na UFRGS, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: janacapeletti@gmail.com.