
(Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Informações subdimensionadas em notícias da imprensa sobre impactos ecológicos da exploração de petróleo prejudicam avaliação pública sobre prospecções na margem equatorial brasileira
Desde 2002, a Petrobras vem tentando obter licença para explorar petróleo na margem equatorial, uma região marítima da costa brasileira que se estende do Amapá até o Rio Grande do Norte. Apesar de críticas e alertas sobre os riscos ecológicos que a exploração de petróleo representa para os ecossistemas marinhos, o processo de licenciamento e as pressões do setor econômico seguem avançando. Notícia da Agência Brasil publicada no dia 6 de abril anunciou que a empresa petrolífera concluiu a construção de uma unidade para atendimento e reabilitação de fauna no Amapá. Essa estrutura soma ao Centro de Despetrolização e Reabilitação da Fauna que a Petrobras já mantém no Pará, em Belém. Ainda que a matéria não apresente dados estatísticos sobre tragédias anteriores, de modo a exemplificar os riscos envolvidos, fica evidente que a operação exige equipamentos para mitigar futuras tragédias ambientais. “A construção do equipamento é uma das exigências para que a empresa possa fazer perfurações para verificar a existência de petróleo no bloco FZA-M-59, em águas profundas do Amapá, a cerca de 500 km da foz do Rio Amazonas”, informa a matéria da jornalista Tâmara Freire.
Raoni
No dia 4, durante encontro do presidente Lula com o cacique Raoni na Terra Indígena Capoto-Jarina, no Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso, a liderança indígena enfatizou que a preservação ambiental do local em prospecção para estudos e exploração é importante para manter “a Terra com menos poluição e menos aquecimento”. Na ocasião do encontro, Raoni foi agraciado com a Ordem Nacional do Mérito, no grau Grã-Cruz, a mais alta honraria oficial do Brasil. O fato repercutiu nacionalmente em veículos como Carta Capital, Valor Econômico, Correio Braziliense, Infomoney, O Globo, Poder 360, Brasil 247, O Tempo, entre outros. Além de Raoni fornecer um gancho (uma oportunidade) para explorar o debate sobre os riscos ecológicos, ampliando ainda para a questão climática, os textos publicados não abordam o tema.
Precaução
Uma pesquisa publicada no periódico internacional Marine Environmental Research e divulgada pelo portal Fauna News revela que os impactos de um derramamento de petróleo ocorrido em 2019 no Nordeste brasileiro seguiam presentes em 2023. Os problemas observados pela pesquisa apontam para a ingestão de oleo e aumento da mortalidade da fauna marinha, evidenciando alterações comportamentais e nas proporções de sexo e tamanho de algumas espécies, além de anormalidades em larvas e ovos e consequências para populações humanas litorâneas. Outro ponto da pesquisa destacado no portal está relacionado à extensão das áreas atingidas de cada ecossistema na tragédia ambiental de 2019, o que ajuda a dar uma dimensão dos riscos envolvidos. Os dados indicam que foram impactados 4.929,74 km² de áreas de estuários, 489,83 km² de florestas de mangue, 324,77 km² de prados de ervas marinhas, 185,30 km² de praias, 63,64 km² de planícies de maré, 45,95 km² de corais de águas profundas e 9,69 km² de corais de águas rasas.
Ao nominar ecossistemas em risco e apresentar as dimensões de áreas atingidas por tragédias, a cobertura jornalística sobre a margem equatorial tem a oportunidade de enriquecer o debate público. Para isso, seria fundamental que as notícias apresentassem maior contexto, o que contribuiria para o cumprimento do papel educativo, um pressuposto essencial reconhecido pelo Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (Ufrgs/CNPq).
Além de fornecer contexto e educar, a cobertura poderia incorporar o princípio da precaução, um pressuposto que, conforme (Girard et al., 2020, p. 281), integra os fundamentos do jornalismo ambiental. Ao adotar o princípio da precaução, as notícias sobre a margem equatorial poderiam auxiliar a sociedade a formar uma opinião mais informada e a pressionar o governo em prol de medidas de proteção ambiental, antes que novas tragédias aconteçam.
Publicado originalmente em Observatório Ambiental.
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Heverton Lacerda, jornalista, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).