Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A questão climática no centro das eleições de Porto Alegre

(Bruno Peres/Agência Brasil)

A capital gaúcha, assim como centenas de cidades do Rio Grande do Sul, foi fortemente afetada pelo desastre climático que eclodiu no início de maio. Um impacto que persiste de diferentes maneiras a depender da região e das condições socioeconômicas de quem perdeu muito. Com o calendário das eleições municipais já anunciado, partidos e políticos tiveram que rever suas estratégias e incluir um rol de palavras que até então pouco apareciam nos discursos e propostas de governo, como mitigação, adaptação e resiliência.

Já no final de junho, GZH reportava que os pré-candidatos estavam reavaliando alianças e propostas a fim de contemplar em suas campanhas a perspectiva da prevenção aos riscos climáticos e também medidas para reconstruir Porto Alegre. Na reportagem é mencionado que “[a] despeito das diferenças políticas e ideológicas, todas as candidaturas procuraram o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) para auxiliar na busca por maior proteção aos eventos climáticos”. O IPH, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tornou-se um dos protagonistas no gerenciamento das enchentes, como referência para a tomada de decisões acerca do enfrentamento do desastre.

A dinâmica eleitoral alterou-se, ainda que não existam novidades em termos de candidatos. A pauta das eleições voltou-se para os desafios impostos pela crise climática a partir das consequências das enchentes. Desde falar sobre a manutenção das casas de bombas, o reforço das estruturas de contenção das cheias e a melhoria do sistema de alerta até a adequada destinação dos resíduos. Vários veículos (GZHCorreio do Povo, Folha de S.PauloGazeta do Povo e Sul21, por exemplo) destacaram que as eleições de Porto Alegre devem discutir respostas para a tragédia climática sentida na pele pelos moradores.

Em uma entrevista concedida à Agência Pública sobre como os desastres climáticos podem influenciar a eleição de prefeitos, o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas Ítalo Soares destacou que já existem estudos significativos mostrando que os eleitores consideram fenômenos climáticos ao escolher seus líderes. Secas e enchentes podem ser vistas como falhas na gestão de políticas públicas, como planejamento urbano, saneamento básico, manejo de resíduos e fluxos de água, entre outros. Com o agravamento dos fenômenos climáticos extremos, a relação entre eles e as eleições deve se tornar cada vez mais evidente.

Os desastres podem ser entendidos como eventos externos ao sistema político que exigem uma resposta do Estado. Eles introduzem na agenda governamental situações que necessitam de gerenciamento rápido e podem expor falhas crônicas do governo, como deficiência técnica, falta de orçamento, corrupção e violência estatal. Nesse contexto, a crise climática pode representar um fator constante de tensão na democracia, desafiando a legitimidade do sistema político. Nesse sentido, o jornalismo precisa dar visibilidade às disputas que cercam o debate sobre clima, desastres e governança de riscos.

No cenário eleitoral de Porto Alegre, a série de entrevistas “Os Candidatos e as Cheias”, do Correio do Povo, visa descobrir as propostas para ações emergenciais diante das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, como reparação de diques, casas de bombas e fechamento de comportas, além de questões sistêmicas mais amplas. Perguntas como “O que o senhor/senhora fará a partir de 1º de janeiro para evitar novas enchentes na cidade?” e “O Muro da Mauá será mantido ou removido?” buscam entender as medidas estruturais que podem impactar tanto a curto quanto a médio prazo, dependendo de sua manutenção ou remoção.

Há também perguntas sobre a gestão dos recursos hídricos, como “O senhor/senhora pretende privatizar o Dmae?” e “O senhor/senhora considera recriar o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) ou uma estrutura similar?”. Para propostas de longo prazo, a série questiona sobre sistemas de alerta e a viabilidade financeira das ações, com perguntas como “Como financiar essas ações? Como garantir recursos para isso?” e “O senhor/senhora contratará consultorias internacionais?”. Além disso, há questões sobre o início das ações e a responsabilidade pela drenagem pluvial urbana, como “Por onde o senhor/senhora começará as ações?” e “Quem será responsável pela drenagem pluvial urbana?”. Muitas dessas perguntas abordam medidas que podem parecer paliativas, se não forem integradas em um plano abrangente.

Importante notar que, embora exista uma ênfase sobre os desdobramentos do desastre e o que seria necessário para evitar outros, as causas acerca do que nos trouxe até aqui, relacionadas ao que se entende hegemonicamente como desenvolvimento, não foram questionadas e nem trazidas pelos candidatos. Quanto da vegetação nativa foi suprimida no RS, agravando as consequências das enchentes? Como a flexibilização das normas ambientais está relacionada com os impactos das chuvas intensas? Por que o cuidado ambiental é desvinculado das respostas mais imediatistas sobre enfrentamento da crise climática?

Percebe-se que as perguntas e respostas da série “Os Candidatos e as Cheias”, assim como grande parte dos enquadramentos jornalísticos, tendem a abordar predominantemente aspectos técnicos, sem promover uma discussão mais profunda e ampliada, que extrapole soluções mais imediatistas. Esse enfoque acaba por limitar o papel do jornalismo no debate sobre a educação ambiental diante dos eventos extremos e a necessária mudança de mentalidade diante da emergência climática. Esta é uma visão recorrente daqueles que ainda fragmentam as pautas e os conhecimentos, dificultando que os públicos percebam que há relações entre as decisões econômicas, políticas, sociais, culturais e ambientais. Um dos esforços do Jornalismo Ambiental é evidenciar uma leitura sistêmica dos acontecimentos, visibilizando as conexões ocultas mencionadas por Fritjof Capra.

Além das ações emergenciais para lidar com as cheias, os jornalistas poderiam ter questionado os candidatos sobre estratégias integradas para enfrentar as causas dos eventos extremos e a formação de uma cultura de percepção de riscos de desastres. Questionamentos sobre a implementação de campanhas educativas sobre riscos climáticos e a organização de exercícios de simulação de desastres para preparar a população a fim de fornecer instruções claras sobre o que se deve fazer em situações de iminência ou ocorrência de desastres. Poderiam trazer à tona a falta de cultura de prevenção. Debater os fatores que geraram a vulnerabilização das pessoas e que ampliaram sua exposição às chuvas e enchentes também é algo que requer mais atenção dos jornalistas, sobretudo em tempos de campanha eleitoral. Não há como falar de soluções para um problema sem expor e rever o que desencadeou o contexto para a eclosão do desastre.

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Clara Aguiar é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: claraaguiar14@hotmail.com.

Eloisa Beling Loose é jornalista e pesquisadora na área de Comunicação de Riscos e Desastres. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: eloisa.beling@gmail.com.