Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

De chuvas no RS a fogo no Pantanal e estiagem na Amazônia, jornalismo deve tecer relações entre fenômenos

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No noticiário, o ineditismo e a grandiosidade dos eventos iniciam ciclos de atenção que mobilizam o público em torno da pauta quente do momento. Passado algum tempo do despontar da novidade, a narrativa pode ganhar verniz de “mais do mesmo” e tornar o público menos engajado. Em tempos nos quais estamos superexepostos à informação, é fácil iniciar um novo ciclo ao tomarmos conhecimento sobre outro assunto mais recente e que também desperta nosso senso de urgência.

Tal processo pode ser perverso especialmente para o jornalismo ambiental porque dá a entender que os fenômenos são isolados – justamento o contrário do que o jornalismo ambiental defende. Se nos últimos meses o assunto predominante no noticiário nacional foi o excesso de água no Rio Grande do Sul, essa cobertura vai minguando aos poucos, mesmo que parte da população siga desassistida e que ainda haja disputa, por exemplo, sobre as medidas necessárias para a recuperação do estado.

Enquanto isso, emergem notícias sobre outro tópico preocupante: o combate aos incêndios no Pantanal, que tem sido pauta recorrente no Jornal Nacional, da TV Globo, nas últimas semanas. Assim como as enchentes no Rio Grande do Sul, o assunto não é necessariamente novo, tendo em vista que o bioma já havia sido gravemente atingido pelo fogo em 2020.

Mas, assim também como no caso gaúcho, o ciclo de atenção é despertado pelos tristes recordes associados à intervenção humana nos ambientes naturais. As queimadas de agora são ainda piores do que as de 2020, e ainda nem estamos no período mais crítico da estação seca, quando essas ocorrências são mais comuns no bioma.

Nesse contexto, é fundamental que jornalistas recorram à ciência para explicar a conexão entre esses fenômenos, que são cada vez mais intensos e frequentes devido às mudanças climáticas e à degradação dos biomas. Um levantamento da plataforma MapBiomas sobre a perda de mais de 30% da superfície de água no Brasil entre 1985 e 2023 foi fio condutor de um episódio do podcast O Assunto, do G1, em 8 de julho.

O programa menciona que o Pantanal foi o bioma mais afetado, com 61% da perda de água no país, o que contribui para a crise atual e para a descaracterização desta que se trata da maior planície alagável do planeta. Além disso, o coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa, ressalta que o bloqueio da umidade sobre o norte do Rio Grande do Sul, por conta de fatores como a mudança na temperatura do Oceano Atlântico, agravou tanto as chuvas no estado como a estiagem ao norte.

O podcast alerta, ainda, para o novo período de seca que se inicia na Amazônia, lembrando do paradoxo que existe em habitantes da maior bacia hidrográfica do mundo, a do rio Amazonas, sofrerem com a sede. Por fim, Rosa frisa a responsabilidade de representantes do agronegócio, setor que depende diretamente da boa gestão da água e que precisa recusar o negacionismo científico para se adequar às mudanças, cada vez mais aceleradas, das condições climáticas.

Este é um bom exemplo de como o jornalismo pode se aprofundar nos fenômenos cujos impactos já sentimos na pele. Além de ouvir a ciência para basear essa narrativa, jornalistas podem flexibilizar o ciclo de atenção, tecendo relações entre as transformações que vêm ocorrendo nos biomas brasileiros.

Para aprimorar a compreensão do público sobre de quem são as responsabilidades pelo cenário atual, o jornalismo pode apostar em mais investigações de fôlego sobre causas e consequências dessas crises. Desta forma, o assunto pode se manter no noticiário a partir de abordagens que se aprofundam no tema e, ao mesmo tempo, o situam em um cenário complexo de transformações ambientais.

Reportagem publicada originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental.

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Débora Gallas é jornalista, doutora em Comunicação e Informação, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: deborasteigleder@gmail.com.