O assunto do momento é a Inteligência Artificial (IA) e suas consequências. Esse avanço tecnológico está em todas as redes de debates. O mundo discute questões éticas (uso indevido na produção de fake news e violação do direito de imagem), econômicas (quem vai lucrar e o que fazer com o exército de desempregados que porventura surgir?), jurídicas (as sentenças um dia ficarão a cargo dos algoritmos?), tributárias (como manter os níveis de arrecadação já que robô não paga imposto?), entre tantos outros.
Quando o assunto é jornalismo, as discussões envolvem, no momento, como aproveitar essa ferramenta no dia a dia e o quanto isso impactará na estrutura das redações. Entidades de classe se preocupam com o provável aumento no número de demissões, que já se intensificaram nos últimos dez anos no Brasil, deixando sem emprego parte considerável dos profissionais de imprensa.
Na área ambiental, por sua vez, alguns estudos já fazem a conexão entre o uso de IA e o crescimento na emissão de dióxido de carbono (CO2). O portal Earth.Org destaca pesquisa da OpenAI que estima que as emissões da indústria das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), como um todo, atinjam 14% das emissões globais no ano de 2040.
O professor Anders Nordgren, da Universidade de Linköping (Suécia), faz um alerta sobre a emissão de CO2 em treinamentos de Inteligência Artificial: “Um estudo focado explicitamente na IA como contribuinte para as alterações climáticas foi conduzido por Strubell et al. (2019). Eles investigaram a pegada de carbono de vários modelos diferentes de IA. Concluíram que as emissões variam significativamente. As maiores foram encontradas no treinamento de um modelo de IA para processamento de linguagem natural (PNL)” (2023).
Conforme Nordgren, calcula-se que o treinamento de IA resulte em cerca de 300 mil quilos de CO2e (Strubell et al., 2019). Essas emissões equivalem a, aproximadamente, 125 voos de ida e volta de Nova Iorque a Pequim (Dobbe e Whittaker, 2019).
Essas pesquisas científicas, no entanto, estão sendo ignoradas quando a discussão envolve essa nova ferramenta tecnológica, independentemente da área envolvida. Mas os jornalistas não podem deixar de considerar esses dados quando escrevem sobre o assunto.
Um dos pressupostos do Jornalismo Ambiental é o Princípio da Precaução, que já foi abordado em artigos anteriores aqui no Observatório. Conforme Girardi et al., esse princípio “amplia o tempo de ação do jornalismo, orientando-o para o futuro na tentativa de alertar e evitar consequências negativas” (2017). Girardi acrescenta que a “ampliação da divulgação de incertezas por parte do campo científico e as constatações de que não temos controle sobre as consequências de muitos processos e produtos conduziram a um olhar mais cauteloso, que levou à discussão do princípio da precaução”.
Já o “Princípio 15” da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na Conferência das Nações Unidas, elaborado durante a Rio-92, estabelece: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o Princípio da Precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
Nesse sentido, devemos, a partir da preocupação com as consequências negativas do uso da IA, sem considerar os danos ao ambiente, recomendar que os jornalistas, amparados na cautela, busquem sempre aprofundar o tema e informar a sociedade sobre o impacto e os riscos inerentes do uso desse novo instrumento. É preciso contextualizar e elencar sempre os prós e contras.
Uma máxima universal estabelece que, na dúvida, não devemos ultrapassar. Essa regra, no entanto, é deixada de lado quando conveniências econômicas e políticas se tornam prioridades. E o jornalismo não pode se submeter a interesses que não coloquem a coletividade em primeiro lugar. Principalmente quando os danos forem irreversíveis, como testemunhamos agora com os trágicos efeitos das mudanças climáticas, para citar apenas um exemplo dos muitos que poderíamos relacionar aqui.
Referências
GIRARDI, Ilza Maria Tourinho; LOOSE, Eloisa Beling; STEIGLEDER, Débora Gallas; BELMONTE, Roberto Villar; MASSIERER, Carine. A contribuição do princípio da precaução para a epistemologia do Jornalismo Ambiental. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p.279–291, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.29397/reciis.v14i2.2053. Acesso em: 11 mar. 2024.
NORDGREN, Anders. Artificial intelligence and climate change: ethical issues, Journal of Information, Communication and Ethics in Society, Vol. 21 Nº 1, pp (2023). Disponível em: https://doi.org/10.1108/JICES-11-2021-0106. Acesso em: 12 mar. 2024.
Texto publicado originalmente em Jornalismo e Meio Ambiente.
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Sérgio Pereira é jornalista, servidor público, mestre em Comunicação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (UFRGS/CNPq). E-mail: sergiorobepereira@gmail.com.