Memórias e histórias de gaúchos foram parar no lixo quando a água ocupou os lares, durante as enchentes de maio e junho de 2024, tornando-se a maior calamidade vivida até então. Montanhas de resíduos passaram a integrar a realidade visual de ruas e parques transformados em espaços de descarte dos bens materiais que sobraram quando a água tomou o seu leito em muitos rios do Rio Grande do Sul. Estes despojos e seu destino representam um risco à população se não houver um planejamento adequado.
A geração de resíduos pós enchentes tomou as páginas de jornais em maio e impressionou os cidadãos que andavam pelas ruas dos municípios: O que fazer; qual o destino dos entulhos no Rio Grande do Sul? (uol.com.br); Enchentes deixam 47 milhões de toneladas de entulho no RS, aponta levantamento | CNN Brasil; Enchentes deixarão quase 47 milhões de toneladas de lixo no RS | Metrópoles (metropoles.com); Volume de entulho de construção gerado no RS pelas enchentes pode chegar a 46 milhões de toneladas, mostra levantamento | GZH (clicrbs.com.br), Cuidados após enchentes: especialistas orientam sobre a limpeza da casa e o que fazer com móveis e utensílios | Fantástico | G1 (globo.com), Imagens mostram Porto Alegre tomada por lixo após água começar a baixar (correiobraziliense.com.br), Lixo das chuvas no RS: catadores não conseguem trabalhar (apublica.org), dentre outros.
Em junho a situação ainda chocava a população e a imprensa repercutia o tema, mas já não com tanto espaço comparado ao mês anterior: Lixo após inundações em Porto Alegre gera montanhas de entulho e medo de contaminação – BBC News Brasil; Após um mês de calamidade, gaúchos não conseguem retomar rotina | Agência Brasil (ebc.com.br), Inundações no Rio Grande do Sul: ‘Olhar para tudo isso é desesperador’; a rotina de um gari em meio à limpeza dos restos das enchentes – BBC News Brasil .
Em julho o tema sofreu um arrefecimento e poucos textos retrataram os encaminhamentos quanto ao lixo gerado pós enchentes: Resíduos recolhidos após enchente em Porto Alegre representam 30 campos de futebol com 1 metro de altura, diz prefeitura | Rio Grande do Sul | G1 (globo.com), Aterro que recebia entulhos da enchente tem operação suspensa no RS; entenda os motivos | Rio Grande do Sul | G1 (globo.com), As enchentes no Rio Grande do Sul e os impactos sanitários (synergiaconsultoria.com.br). Neste mês, somente em Porto Alegre, foram coletadas 92 mil toneladas de resíduos e em São Leopoldo, 285 mil. Além destes, outros tantos municípios foram afetados e não se têm números que evidenciem a relevância desta pauta.
Em agosto o tema parece ter sido silenciado pela falta de registros de matérias na internet até então. Isto preocupa porque as montanhas de lixo seguem visíveis e o seu destino não parece integrar uma política ambiental (conforme relatam matéria de maio, junho e julho), o que faz com que o tema seja esquecido na agenda pública. “Fixar a agenda é fixar o calendário dos acontecimentos. É definir o que é importante e o que não é. […] É criar o clima no qual será recebida a informação. É fixar não só o que vai ser discutido, mas como e por quem” (Barros Filho, 2008, p. 159).
Kitzinger e Reilly (2002) apontam que, embora haja preocupação dos jornalistas, os temas de risco não atraem tanto para a cobertura em razão da falta de concretude da pauta ou por não ter entrado na agenda pública ou política, gerando algum valor-notícia atrativo ao jornalismo. Além disto, o risco refere-se a projeções e os jornalistas trabalham com acontecimentos, mas a manifestação do risco pode ser um gatilho necessário para a produção jornalística. É, por isso, que riscos ambientais e consequências são geralmente apresentados somente durante os desastres e catástrofes – e agora estão sendo silenciados.
Desta forma, é preciso que o jornalismo esteja presente fazendo o seu papel social na comunicação de riscos e acompanhando também as consequências ao meio ambiente e aos seres humanos, como é o caso do destino adequado deste expressivo volume de resíduos.
Referências:
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na comunicação. 6. ed. São Paulo: Summus, 2008.
KITZINGER, Jenny; REILLY, Jacquie. Ascensão e queda de notícias de risco. Coimbra: Edições Minerva Coimbra, 2002
***
Carine Massierer é jornalista, mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).
Edição de Eliege Fante. Jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).