A Universidade Estadual de Campinas vem se destacando no panorama acadêmico pela inovatividade e vanguardismo. Principal centro brasileiro de pesquisa aplicada, busca através da cooperação com as empresas e o governo reduzir a distância entre o ensino superior e o cotidiano da nossa sociedade.
Evidência dessa vocação modernizante da Unicamp é a criação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, iniciativa do então reitor Carlos Vogt, que pretende contribuir para a melhoria da informação de atualidades, nesta conjuntura em que a imprensa protagoniza seu mais célebre papel.
Na verdade, a nossa imprensa sempre esteve no foco das atenções da cidadania, captando as tendências emergentes da opinião pública e quase sempre legitimando-as. Não se pode compreender a história recente do país sem levar em consideração o comportamento dos jornais diários. O brazilianist Alfred Stepan (The military in politics – changing patterns in Brazil, Princeton University Press, 19871, p. 85-121) já havia notado, por exemplo, a frustração de todas as tentativas de golpes de Estados que não contaram com o apoio da mídia, na segunda metade deste século.
Da mesma maneira que a corporação militar precisou conquistar a adesão da imprensa para mobilizar o sentimento civil, empalmando o poder em 1964, a transição ‘lenta, gradual e segura’ só emplacaria depois do término da censura, permitindo que jornais e revistas ecoassem as aspirações democráticas da sociedade. Evidências sobre tais fenômenos foram percebidas com argúcia pelo pesquisador francês André de Seguin des Hons (Le Brésil – presse et historie – 1930-1985, Paris, L´Hartmattan, 1985).
Até então atribuía-se à imprensa o papel de suporte das mudanças institucionais. Recentemente eclodiu a tese de que a sua função tem sido muito mais de alavanca histórica. O impeachment de Collor e a desarticulação da ‘máfia do orçamento’ teriam resultado da ação investigativa de intrépidos repórteres e da ousadia editorial de modernas empresas noticiosas. Boa parte da corporação jornalística assume tal postura ufanista. Para compreender suas nuances, vale a pena acompanhar o raciocínio dos historiadores Fernando Lattman- Weltman, José Alan Dias Carneiro e Plínio de Abreu Ramos (A imprensa se faz e desfaz um presidente, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994).
É possível demonstrar essa hipótese? A pergunta está no cerne dos debates que se realizaram em Campinas, São Paulo, no período de 1’2 a 14 de abril de 1994, durante o seminário-fundador do Labjor – ‘A imprensa em questão’. Este volume reproduz na íntegra as exposições e debates daquele evento histórico.
O encontro reuniu lideranças jornalísticas de todo o país, que discutiram a performance do jornalismo brasileiro com empresários, anunciantes, consultores gerenciais, políticos e educadores, fazendo um profundo diagnóstico das suas diretrizes ético-profissionais e das suas motivações socioculturais.
Vale a pena sublinhar as questões marcantes do seminário, abrindo o apetite do leitor para os diferentes capítulos desta coletânea:
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Em que medida os novos contingentes incorporados ao mercado consumidor de jornais diários, nas principais metrópoles brasileiras, são efetivamente leitores (cidadãos conscientes de que o produto jornalístico constitui um bem indispensável à sua educação permanente) ou meros usuários (fruidores eventuais de informações utilitárias)?**
Por que a mídia impressa ou eletrônica vem reduzindo substancialmente o noticiário internacional, estabelecendo um paradoxo em relação à atual conjuntura histórica, caracterizada pela globalização econômica e transnacionalização cultural?**
Quais as conseqüências da transformação do jornalismo cultural em mero apêndice mercadológico do show business?**
Estão as empresas jornalísticas nacionais absorvendo adequadamente as novas tecnologias, de modo a potencializá-las para melhor servir aos consumidores de informações cotidianas?**
De que forma a sucessão familiar vem interferindo no bom desempenho gerencial das empresas informativas?**
Podem as escolas de jornalismo ser responsabilizadas pelas deficiências dos serviços noticiosos oferecidos à nossa população?**
Persiste entre os anunciantes a convicção de que a qualidade jornalística constitui fator decisivo para a programação publicitária de um veículo?**
Como preservar a credibilidade de um jornal ou revista, quando a fronteira entre a informação e a opinião torna-se ambígua ou imperceptível para o leitor?E também a questão mais importante do momento:
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Até que ponto o denuncismo obsessivo da imprensa, nem sempre fundado em apuração rigorosa dos fatos, vem atemorizando os cidadãos e minando a sua confiança na democracia e na liberdade de expressão?Se não foram construídas respostas prontas e acabadas para estas e outras indagações, o seminário suscitou pistas elucidativas para redimensionar o perfil da nossa imprensa neste final de século. Elas passam a constituir uma plataforma de idéias e ao mesmo tempo um acervo de experiências destinados a embasar a reflexão profissional e a investigação científica da equipe de pesquisadores do Labjor.
Trata-se de um exercício intelectual que o Labjor pretende estimular bienalmente. Espera-se que brotem daí produtos e serviços a serem devolvidos à comunidade jornalística, sob a forma de cursos, simpósios, consultoria e publicações.
Desta maneira, a Unicamp preenche uma lacuna no seu repertório acadêmico, não apenas atuando como fonte privilegiada de notícias, mas convertendo-se alternativamente em produtora de novos conhecimentos jornalísticos.
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Professor titular de Jornalismo (USP e Umesp), coordenador nacional da Rede Alfredo de Carvalho; pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor)