Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Censura prévia a biografias

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

Com a entrada em cena do presidente do STF, Joaquim Barbosa, a questão do embargo às biografias não autorizadas ganhou status de problema nacional. É um bom debate, suscita questões da maior relevância como a liberdade, afeta um segmento literário que faz enorme sucesso junto ao público leitor, mas convenhamos não é premente e a sua velocidade, injustificada.

A cada novo lance da polêmica fica evidente que o coletivo de astros da música popular entrou ingenuamente nesta inglória cruzada porque foram orquestrados por duas empresárias – a de Caetano Veloso e a de Gilberto Gil – empenhadas em defender a sua “mercadoria”, os seus interesses pecuniários. Elas esquecerem que estes produtos valem ouro porque são adorados por legiões de admiradores que há algumas gerações adoram os seus acordes, adoram os seus versos e, sobretudo, adoram a sua transparência.

A bandeira da proteção à privacidade é um enfeite de ordem moral, mera maquiagem porque os sete grandes artistas que fundaram o coletivo “Procure Saber” não se importam que se saiba tudo sobre eles. Construíram as admiráveis carreiras porque são diáfanos, inequívocos, jamais se importaram que se saiba tudo a seu respeito – das suas posições políticas, às paixões.

É preciso não esquecer que a biografia no Brasil começou a ganhar importância quando profissionais da imprensa experientes e qualificados, sem espaço para desenvolver um trabalho mais gratificante nos jornais, revistas, rádios e televisões, resolveram transferir para o livro sua capacidade de humanizar, reconstituir existências e tempos passados.

Quando o jornalista Raimundo Magalhães Júnior escreveu “Rui, o homem e o mito” em 1964 não foi pedir licença aos herdeiros de Rui Barbosa. De certa forma desconstruiu uma das glórias da cultura brasileira mas o fez com um trabalho de investigação irrepreensível. Causou alvoroço, furor, foi contestado mas ninguém exigiu indenização nem cobrou um percentual sobre as vendas do seu livro.

Estamos assistindo a um dos últimos espasmos do autoritarismo e o fato de que seus protagonistas tenham sido suas vítimas no passado traz para o episódio uma nota irônica e melancólica que convém não aumentar. Poetas e cantores deveriam buscar a verdade em vez de tentar escondê-la.