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O dia 29 de novembro está destinado a entrar para a história da imprensa mundial. Na última quinta-feira, em Londres, capital da liberdade de imprensa, o lorde-juiz Brian Leveson divulgou o relatório, da comissão de inquérito que presidiu, para investigar a sucessão de abusos cometidos pelo tabloide "News of the World", do tubarão Rupert Murdoch.
O tabloide, entrementes, fechou. Seus editores e acionistas foram indiciados e processados, o episódio tornou-se símbolo das aberrações cometidas pela imprensa sensacionalista sob o manto das garantias à liberdade de expressão. O inquérito foi instaurado com o esmagador apoio da sociedade inglesa, da imprensa, do parlamento e do gabinete. Levou 16 meses para ser concluído, seu relatório tem quase duas mil páginas e suas recomendações ocupam cerca de quarenta.
Seu grande mérito é a ênfase na auto-regulação da imprensa, por isso condena com veemência o antigo órgão auto-regulador, o PCC pela sigla inglesa, cuja complacência e omissão foram os responsáveis diretos pelos abusos da mídia. A auto-regulação, para Leveson, deve permanecer na esfera pública.
Seu segundo mérito foi o de resistir a todas as tentações para sugerir qualquer interferência do Estado ou dos políticos no controle da imprensa. Não dá a menor chance para a censura prévia ou para o chamado "controle social". Reforça a auto-regulação e a empurra para a efetiva esfera pública, em condições de atuar com agilidade e rigor, a posteriori, mas sem complacências.
A imprensa brasileira comportou-se como de hábito, tudo combinadinho, sem discrepâncias, tipo ordem unida: houve o registro do relatório no dia seguinte, sexta-feira, e no fim-de-semana, o nome Leveson havia evaporado completamente das páginas dos jornais ou revistas.
Auto-regulação continua um assunto tabu na imprensa brasileira. Jamais poderá ser adotada porque sequer pode ser discutida.
A reação da mídia americana situa-se entre a ingenuidade e o cinismo. Antes mesmo da divulgação do relatório Leveson, o New York Times advertiu para os perigos de uma legislação sobre imprensa, esquecido que a FCC, criada há 78 anos pelo presidente Roosevelt, interfere ostensivamente na competição entre empresas e no conteúdo da mídia eletrônica.
A grande surpresa foi o desempenho destemido, audaz, verdadeiramente revolucionário do mais importante diário de economia e negócios do mundo, o naturalmente conservador Financial Times. Escreveu o FT naquele seu inconfundível papel cor de salmão:
“Cabe à indústria acolher o relatório, mesmo que não concorde com uma linha sequer de suas recomendações. O catálogo de abusos expostos no relatório confirma que parte da indústria jornalística estava fora de qualquer controle, há inúmeros exemplos de conduta temerária, de poder sem responsabilidade. O quarto poder parecia aquecido nos privilégios das rameiras.”