Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Novos padrões da indústria da notícia

Uma das mais graves crises institucionais do Brasil, a que hoje estamos atravessando – está sendo acompanhada por uma imprensa diminuída, incapaz de explicar, até mesmo suas próprias deficiências.

As autoridades e seus aliados estão sendo acusadas pelos grandes grupos midiáticos do país de insensibilidade diante dos primeiros indícios da turbulência econômica atual. Há mais de um ano, porém, estes críticos na imprensa foram igualmente levianos ao embarcar num indesculpável minimalismo.

Em novembro do ano passado, a Folha de São Paulo promoveu uma degola na sua redação afastando dois dos seus mais respeitados colaboradores da página dois: Eliane Cantanhede e Fernando Rodrigues.

O jornalão paulista certamente teria preferido não badalar a chacina mas seus leitores e este Observatório foram mais fieis aos seus deveres e rapidamente colocaram a boa no trombone.

Há exatos 15 dias foi a vez do Globo abrir suas veias: demitiu sumariamente cerca de sessenta jornalistas, muitos deles responsáveis por tradicionais colunas publicadas há décadas no jornal. Um verdadeiro “banho de sangue”.

Diferentemente do ocorrido na Folha há 10 meses, não só a chacina mas também as suas consequências foram rigorosamente escamoteadas dos leitores. A extinção do caderno literário Prosa e Verso, e da Revista da TV, além de banidas do noticiário, foram disfarçadas com explicações cínicas alegando que tudo foi feito em favor do leitor.

Uma empresa privadas tem o direito de fazer escolhas penosas, inclusive demitir funcionários e colaboradores. Mas uma empresa jornalística, que goza de fé pública e é privilegiada por farta legislação que garante a sua liberdade e integridade, não tem o direito de sequestrar informações essenciais para a formação de juízos por parte dos seus leitores.

Se O Globo noticia sem qualquer constrangimento a demissão de operários das montadoras ou da construção civil, porque razão engana aqueles que pagaram os mesmos três reais entregando-lhes um produto de qualidade inferior e maquiado descaradamente para parecer igual?

Isso é crime: se o padeiro da esquina vender pãezinhos pelo mesmo preço, mas com menos farinha, paga multa e corre o risco de ir para o xilindró. Numa atividade estratégica com a comunicação social, isto se chama autocensura.

O pior é que a traição do Globo a seus leitores não mereceu qualquer menção dos concorrentes paulistanos. O Estadão transformou-se num zumbi robotizado, mas a Folha, que se intitula um “jornal a serviço do Brasil” está na verdade a serviço do lobby corporativo esmagando os últimos vestígios de pluralismo e autonomia, sem os quais o jornalismo torna-se líquido como constatou o mestre Bauman.

Nossa crise não é apenas econômica e política. Estamos enfiados também numa profunda crise moral, de valores, contra a qual nenhuma Lava Jato foi acionada.