Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

O mea-culpa do ‘Globo’

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

Credibilidade não se compra pronta. É uma obra em construção, tecida com erros, acertos e, principalmente, com transparência.

A verdade também não existe, o que existe é a busca da verdade e esta busca constitui um exercício constante de humildade e paciência, restrito apenas àqueles que levam a sério suas responsabilidades e agem de acordo com suas consciências.

Penoso admitir enganos e aceitar culpas. A arrogância é sempre mais cômoda, muito menos arriscada. Por isso, quando um jornal como O Globo – carro-chefe de uma das mais poderosas organizações jornalísticas do país e do mundo – admite com todas as letras, sem dubiedades, que equivocou-se ao apoiar o golpe militar de 1964 e a ditadura que se seguiu, abdica da aura de infalibilidade. Ao mesmo tempo, ganha o respeito, não apenas do seu público, ganha também a confiança dos pósteros.

O Globo não apoiou sozinho o golpe militar. Toda a grande imprensa, com exceção da Última Hora, de Samuel Wainer, aderiu com entusiasmo ao movimento que derrubou o presidente Jango Goulart. O Correio da Manhã, já desaparecido, foi escolhido para dar o sinal do início do levante militar, com os três editoriais na primeira página. Porém, um mês depois se arrependeu e passou a opor-se ao governo e ao regime de exceção. Foi um gesto de grandeza, na ocasião insuficientemente valorizado porque toda a imprensa persistiu no erro.

A surpreendente atitude de O Globo tem condições de iniciar um degelo em nossa vida jornalística. Pode transformar-se numa “Primavera”, desde que seja acompanhada pelos demais veículos.

Não se trata de exigir que os jornais sobreviventes repitam o mea-culpa de O Globo com relação ao passado. Trata-se, sim, de cobrar uma revisão dos atuais procedimentos. Em 1964 a nossa imprensa abriu mão do pluralismo, entregou-se ao pensamento único. Agora, quase 50 anos depois, espera-se um retorno ao pluralismo e uma busca determinada e incansável da verdade.