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O julgamento da iraniana Sakineh Ashtiani não é o primeiro que empolga a opinião pública mundial. Pode-se dizer que a era moderna começou no fim do século 19 com o julgamento do capitão francês Alfred Dreyfus, que repercutiu nos quatro cantos do mundo, inclusive no Brasil, com implicações políticas que se estenderam ao início da Segunda Guerra Mundial.
Nos anos 20 do século passado, o julgamento dos anarquistas italianos Sacco e Vanzetti, afinal condenados à morte na cadeira elétrica nos Estados Unidos, agravou a radicalização política. Ontem, 23 de agosto, completaram-se 83 anos do clamoroso erro judicial.
O caso de Sakineh Ashtiani não tem ingredientes políticos – seria uma trágica história de amor ou desamor – mas associa-se à uma causa essencialmente política ao trazer para as primeiras páginas as aberrações cometidas pelos estados teocráticos em nome de Deus e da fé.
Rui Barbosa indignou-se com a palhaçada judicial francesa que condenou Dreyfus, mas a Águia de Haia era naquele momento um exilado político refugiado na Inglaterra, nada podia fazer. Desta vez houve gestões oficiais, mas tíbias e ambíguas. Deram em nada, aparentemente não convenceram o governo de Ahmadinejad a suspender a ameaça da execução por apedrejamento.
A mídia mundial acompanha o caso dentro dos padrões contemporâneos: a cobertura é intermitente, fragmentária, dispersiva. Nenhum veículo abraçou a causa de Sakineh como aconteceu com o francês "L´Aurore" em 1898 onde uma carta aberta do escritor Emile Zola ao presidente da república francesa produziu a mais importante manchete de todos os tempos – "j´accuse", "eu acuso". A mídia hoje é mais forte e também mais fraca porque não consegue dedicar à massa de fatos a mesma intensidade e a mesma vibração que antes usava quando a sua pauta era mais restrita.
No momento em que a ONU lança um programa denominado "Aliança das Civilizações" para contrapor-se à desastrosa teoria do choque de civilizações, o caso Sakineh escancara as diferenças, agrava os conflitos e evidencia a falta de escritores-jornalistas do porte de Emile Zola para denunciar as injustiças.