Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A pauta do cidadão

(Foto: Wikimedia)


Chama a atenção como, em muitas discussões importantes, a mídia embarca na agenda do país, mas raramente pelo viés da sociedade: segue a pauta de interesses do mundo político. O debate da hora, por exemplo, é sobre os tais R$ 3,8 bilhões do fundo partidário, dinheiro público que será destinado à campanha municipal do ano que vem.
Há um sem-número de notícias todos os dias sobre os bilhões em questão, contemplando posições até acirradas sobre se tal montante é ou não suficiente, se parte do valor será ceifado da saúde ou da educação, etc. A discussão, no entanto, passa ao largo do cidadão: as notícias são repercutidas intramuros com os líderes do Congresso, com os caciques da política, relatores e por aí vai. Quem paga a conta não é ouvido; no máximo, sondado em enquetes, via institutos de pesquisa.
Até aqui, não há nada, por exemplo, sobre como serão controlados os gastos, assim como também não se veem matérias esclarecedoras na linha “partidos políticos S/A”, pautas que, de fato, interessariam ou seriam úteis à sociedade. Aliás, o funcionamento de um partido merecia ser tratado eventualmente pelas editorias de economia. Por definição, são instituições sem fins lucrativos; por deformação, não são.
Além do quê, é direito do cidadão ser informado sobre o destino dos recursos públicos, que não brotam em cofres: são extraídos do suor de cada um de nós. Raramente lê-se algo sobre a estrutura de um partido político, as receitas, despesas, head-count etc. etc. Eu e a esfuziante torcida do Flamengo não temos a menor ideia de quanto custa, de fato, uma campanha, qual o montante necessário para eleger um vereador, um prefeito, quantos concorrem e quantas cadeiras há no país. São temas, estes sim, de uma agenda mais do cidadão do que do político.
Partido virou negócio: há mais de três dúzias que proliferaram lastreados em cláusulas de barreira extremamente brandas. Deve ser um ótimo negócio “fundar” um partido no Brasil. Tornou-se até popular a expressão “legendas de aluguel”, que vêm ao mundo para negociar tempo de TV e realizar alguns outros escambos. É um termo revelador do balcão de negócios que movimenta a engrenagem política no país.
Com toda a certeza, não há uma ação coletiva ou deliberada dos meios de comunicação em optar por um lado do debate. Mas não há dúvida de que a mídia é usada para turvar as discussões sobre questões como essas, de grande interesse público. Se o conteúdo jornalístico se restringe a montantes, tanto melhor para os donos do jogo. Quanto mais se discutir o total a ser gasto, menos a população saberá sobre o destino do dinheiro.
O que há, creio, é uma miopia dos meios misturada a um olhar viciado da cobertura política. O bordão “mais Brasil e menos Brasília“ tem tantos pais quanto órfãos. É uma bela frase de efeito que, infelizmente, não encontra respaldo na realidade. Ainda assim, demonstra o incômodo dos próprios jornalistas com o excesso de informações emanada de Brasília, de pouca relevância para a vida do cidadão.
É um jornalismo que funciona mais no automático e que dá margem a críticas de que a cobertura do país é oficialesca, chapa-branca, previsível e insossa. Nossa atividade descende da curiosidade, da dúvida, do inconformismo e da indignação. São atitudes e posturas mais do que suficientes para evitarmos as cascas de banana postas no caminho e fazer a nossa parte, que é cumprir a pauta do cidadão.
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Bruno Thys é jornalista. Trabalhou por quase vinte anos no Jornal do Brasil, onde foi de estagiário a editor-executivo. Foi um dos fundadores da revista Veja Rio. Participou da criação do Extra (RJ), jornal em que comandou a redação. Foi diretor da Infoglobo, empresa que edita os jornais e revistas do Grupo Globo e CEO do Sistema Globo de Rádio (CBN, Rádio Globo, etc). Tem prêmios relevantes, entre eles o Esso. É sócio da editora Máquina de Livros.