O bolsonarismo – que, a nosso compreender, constitui-se de um grupo de pessoas que compartilham valores, opiniões, juízos e atos num diálogo com vozes ultraconservadoras e neoliberais – revela um projeto de sociedade brasileira marcado por uma semântica de (pre)conceitos que, por vezes, integra sintaticamente discursos que criam um inimigo da nação, slogans que direcionam a atenção da população, distrações com comentários absurdos, instauração do medo e falsificação da história, exercendo violência simbólica.
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, por exemplo, é autora de uma cadeia de enunciados cujos signos retratam sentidos absurdos. Lembramos que ela sugeriu a criação de uma fábrica de calcinhas para aplacar os casos de abuso sexual sofrido por mulheres na Ilha de Marajó, no Pará. Recordamos que a pastora afirmou que estamos vivenciando uma ditadura gay e que, ao lado disso, no continente europeu, estão ensinando que precisamos masturbar bebês. Talvez esses enunciados pertencentes ao acervo bolsonarista não tenham uma semântica tão dantesca quanto o fato de as escolas da região nordestina conterem manuais de magia e bruxaria – estamos diante da Hogwarts brasileira.
O ministro da Educação – que, como o ministro das Relações Exteriores, enuncia seguidamente uma delirante ameaça comunista -, disse que as universidades públicas, muito provavelmente aquelas acompanhadas pela balbúrdia de professores doutrinadores, têm plantações de maconha e, como se não bastasse, comportam laboratórios para a produção de metanfetamina. É “imprecionante” o fato dele não articular BNCC, PNE, LDB, DCN em seus discursos e em suas ações. É bem por isso que talvez estejam ocorrendo, em âmbito nacional, muitas “paralizações” de estudantes maconheiros e professores comunistas com relação à sua possível balbúrdia na pasta da Educação. Mas a balbúrdia não cessa por aí…
O presidente da Fundação Palmares, em eventual ocasião, defendeu a ideia da escravidão ter sido benéfica aos negros e disse que, no Brasil, o racismo estava no nível “nutella” – tudo bem que ele não conheça a História; vemos que está atualizado com a linguagem dos memes. Comungando com a ideia absurda de negar estudos historiográficos, o secretário nacional da Cultura, em dialogicidade com o nazismo, usou trechos de um discurso de Joseph Goebbels. É “imprecionante” a ideia de que ele não somente se apropriou da estilística enunciativa de um nazista como, também, negou o movimento linguístico, alegando coincidência léxico-gramatical. Agora, substituíram esse cidadão de bem por uma patriota Namoradinha do Brasil que, em seu currículo, tem anos de gestão pública e projetos de política cultural nos níveis municipal e estadual, que sabe reconhecer a diferença entre Santo Expedito e São Sebastião e que, sobretudo, não cita frases nazistas – segundo conspiracionistas, o critério de sua escolha foi o fato de ela não ter experiência.
Surpresos, caros leitores, com a arqueologia abrupta da arte retórica bolsonarista? Nós, nem um pouco. Não nos surpreendem tais discursos pelo fato de estarem atrelados, socioideologicamente, à mais fecunda metralhadora de retórica absurda já presenciada na história da sociedade brasileira: o presidente. Esse calibre, sim, tem bala de fogo que não acaba mais: não estupraria mulher caso fosse por ele considerada desprovida de beleza; Brilhante Ustra foi um grande homem; a ditadura matou pouco; deve-se evacuar dia sim, dia não… Enfim, um pratarraz de discursos indigestos que deixam qualquer um que tenha o mínimo de massa encefálica de testa vincada.
Mesmo assim, não importa! Ele é um mito, um cidadão de bem que varrerá a corrupção (para onde, não se sabe). Um homem com H maiúsculo, imponente, militar (ops!, foi expulso da carreira militar), o salvador da pátria, a mudança mais antiga já vista e assistida tanto por italianos quanto por alemães. Ele é um político que honra a família tradicional brasileira e faz tão jus ao mérito dado que tentou tornar o próprio filho embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América. Um rapaz inteligente e diplomata o suficiente para reconstruir um país que foi deixado em ruínas pelo PT – que, em sua época, indicou ninguém menos que Roberto Abdenur, formado em direito e mestre em economia, o filósofo Antonio Patriota, Mauro Vieira e Luiz Alberto Figueiredo, ambos formado também em direito. Todavia, nenhum desses especialistas com carreiras públicas consolidadas equiparam-se ao Dudinha, pois não possuem sua incomparável retórica, tampouco dominam sua arte de fritar hambúrgueres.
Mas é o pessoal de esquerda que não é normal. Tudo bem!
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Marcos Alexandre Fernandes Rodrigues é graduando em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
Cristiano Sandim Paschoal é graduado em Letras pela Universidade de Santa Cruz do Sul e mestrando na área de concentração em linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).