Nos meses de julho e agosto, as redes sociais receberam com bastante festa dois anúncios: a contratação de Luciana Barreto (que fora âncora na TV Brasil e, por muitos anos, a única jornalista negra a assumir esse papel diariamente) pelo canal internacional de notícias CNN, que chega ao Brasil neste 2019, e que Maju Coutinho (jornalista negra e “moça do tempo” no Jornal Nacional, há algum tempo em rodízio na bancada aos fins de semana) vai apresentar o Jornal Hoje substituindo Sandra Annenberg, que vai para o Globo Repórter.
Gostaria de aproveitar esses fatos para iniciar uma discussão que há muito passa pela minha cabeça e que vem se materializando como questão de trabalho e pesquisa. Em um Brasil notadamente racista, com uma experiência de escravidão tardiamente abolida e incompleta, lidar com a questão racial deve ser um desafio de toda a sociedade e, mais ainda, da imprensa. A questão me faz retornar às cadeiras de formação de um comunicador, um jornalista no início de sua jornada rumo a esse universo, em disputa cada vez maior, mas ainda fascinante.
O que se diz por agora é que “representatividade importa” e que é importante ver pessoas negras ocupando os espaços que durante muito tempo foram exclusividade dos brancos brasileiros. Quantos anos se passaram para que fosse possível ver jornalistas negros e negros em posições de destaque nas telas da televisão brasileira? Não me esquecendo de Glória Maria, Zileide Silva ou Heraldo Pereira, que fazem parte da história do jornalismo brasileiro e atualmente contam até com determinado prestígio.
Se representatividade importa, há algo que importe mais? O que seria mais importante do que ver pessoas negras apresentando os telejornais, dirigindo as redações, liderando as equipes? Na minha opinião, que todo o corpo da imprensa fosse capaz de compreender as assimetrias impostas pela estruturalidade do racismo brasileiro e que as notícias fossem produzidas, pautadas e divulgadas levando em consideração esse aspecto de nossa dura realidade.
O racismo é um sistema de opressão capaz de produzir mortes, invisibilidade e humilhações cotidianas. Não é à toa que os movimentos negros se debruçam sobre essa questão da representatividade e, mais ainda, de uma representação coerente com o histórico dos negros e das negras deste país. É por isso que acredito na necessidade de lidarmos com a questão nos processos de formação.
Quantos de nós fomos apresentados à discussão racial ainda na formação? Quantos de nós, jornalistas e comunicadores, fomos desafiados ao debate importante sobre as hierarquizações advindas do racismo em nossa sociedade?
Em uma busca simples nos ementários dos cursos de Comunicação Social e Jornalismo das principais universidades brasileiras, é impactante perceber que o tema, quando tratado, está dentro de disciplinas relacionadas a Antropologia ou Comunicação e Realidade Brasileira, mas não em uma disciplina pensada e dirigida ao exercício da função jornalística.
Lembro que a querida professora Maristella Fitipaldi, durante minha formação, sempre dizia que não era necessário ser nada além de bom jornalista para se fazer bom jornalismo, e é verdade, mas ela também completava dizendo que, se tivéssemos a capacidade de aprender e olhar mais à nossa volta, compreendendo as questões de nossa sociedade, seríamos jornalistas melhores ainda.
Faz diferença enorme se você vai colocar na manchete que um jovem era jovem ou suspeito, por exemplo. Se você percebe que uma manchete tem uma responsabilidade tamanha na construção das narrativas e das realidades, é urgente que se reflita um pouco mais sobre o que isso significa.
É por isso que defendo que as universidades também se abram ao debate e pensem que tipo de profissionais, pesquisadores/as e professores/as estão formando. A discussão sobre o exercício da profissão e a construção das hierarquias sociais, permeadas pela desconstrução do racismo, é premente na sociedade brasileira.
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Diego Francisco é jornalista e mestre em Relações Étnico-Raciais.