Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando poderemos emigrar para outro planeta?

(Foto: ESA/ NASA – Thomas Pesquet)

Ah, tudo era mais simples na Idade Média – a Terra era o centro do universo, o sol girava em torno dela e as estrelas eram como enfeites de Natal para nos alegrar nas noites sem nuvens.

A tentação de se viver num mundo assim, regido por um maestro ou grande arquiteto, é tanta que, mesmo nos nossos dias, alguns gurus iluminados, desafiando toda ciência, preferem acreditar numa Terra plana, iluminada por lantejoulas, sem que a água dos oceanos escorra nas bordas para o espaço.

E nós, humanos, poderíamos fazer uma pequena viagem espacial, só depois da morte, para conhecer o céu, onde viveria, no estado transparente de espírito, uma parte dos mortos desde a época de Adão e Eva. Embaixo da Terra, sofrendo o impacto de todos os esgotos, estariam os milhões de espíritos dos humanos impedidos de entrar na tranquilidade do céu.

Ah ah, você deve estar sorrindo ou mesmo segurando uma gargalhada. Mas se contenha. De acordo com uma sondagem, lida faz algum tempo e talvez não muito precisa, existem no Brasil só uns poucos 3% de ateus como eu. Os restantes 97% flutuam entre os tipos de crenças mais racionais ou irracionais, todas elas dando uma chance de sobrevivência aos humanos depois da morte.

No momento, não estou interessado em avaliar as consequências dessas crenças no nosso mundo concreto. Bastará um rápido giro pela história das civilizações para se ter um balanço das consequências (algumas funestas), nas sociedades humanas, da ideia da sobrevivência depois da morte.

Embora até hoje ninguém tenha mostrado uma prova, a crença geral é a de existir dentro de nós alguma coisa fluida que sobrevive à morte, vai ao céu, inferno, purgatório ou passará por um processo de refinagem através de sucessivas reencarnações. Com isso, as religiões prosperam, pois pouquíssimos aceitam a morte como um final natural de existência.

Porém, como afirmei acima, não estou interessado em saber se, depois da morte, poderemos navegar pelo infinito, conhecer outros planetas e outras supostas civilizações ou seres diferentes da nossa espécie original.

Não acredito nisso. Nossa estrutura humana não permite e, para mim, essas fantasias exigem uma certa ingenuidade e ilusão.

Mas acreditava, ou será que ainda acredito, na possibilidade do ser humano, com o auxílio da tecnologia, empreender viagens espaciais até outros planetas. E, com certa sorte, encontrar algum planeta parecido com o nosso, no qual se possa viver e se iniciar, caso não seja habitado, um processo de colonização. Mesmo porque o sol, com sua luz que nos aquece e garante nossa vida, não é eterno e um belo dia, bastante longe ainda, irá apagar.

Todos nós, não religiosos, temos um outro tipo de fé – no ser humano, na sua engenhosidade e na sua capacidade de, no futuro, construir naves espaciais capazes de nos conduzirem, em carne e osso, a outros planetas. Uma espécie de crença num tipo de imortalidade relativa: cada ser humano garante a perpetuação da espécie pela reprodução. E, nessa sucessão de gerações, uma delas chegará a um avanço tecnológico que nos permitirá vencer o desafio das distâncias que nos separam de outros mundos.

Porém, como em toda crença, mesmo de ateu, surge sempre a dúvida. Será que o meu milionésimo descendente chegará nesse mundo de relativização do espaço, tempo e distâncias? Porque, pelo que tenho lido e ouvido, nosso planeta já conheceu diversos tipos de destruição, como poderiam testemunhar os dinossauros. E, agora, poderia estar entrando no limiar de um novo processo de destruição, envolvendo quase todo tipo de matéria viva que conhecemos, inclusive nós, seres humanos. Ao que parece, se nada for feito contra o anunciado aquecimento climático, meus bisnetos não terão a vida fácil. E os cientistas, que iriam construir as sonhadas naves espaciais, não disporiam dos séculos necessários para isso.

Essa era uma dúvida pequena, que eu procurava extirpar na esperança da humanidade deter o aquecimento climático e assim sobreviver. Porém, a situação se complicou com o Prêmio Nobel de Física, concedido nestes últimos dias a dois cientistas suíços, Michel Mayor e Didier Queloz.

Foram eles que descobriram, há 25 anos, o primeiro exoplaneta, um planeta girando como a Terra em torno de um outro sol. Hoje, os exoplanetas são centenas, mas apenas alguns poderiam ser como a Terra. Para ter a certeza, seria preciso ir até eles. Tudo bem, com o tempo chegaremos lá!

Ou nunca chegaremos? Essa dúvida maior, que destrói minha esperança de um dia os humanos chegarem a outros planetas, essa dúvida que anula meus sonhos de leitor de science fiction, foi o físico suíço Didier Queloz, premiado com o Nobel, quem lançou. E o outro premiado, Michel Mayor, não deixou por menos.

Entrevistado pela televisão, algumas horas depois de anunciado o prêmio, Didier Queloz explicou que essas pesquisas visam saber como são os outras planetas, saber se neles há manifestação de vida, para se conhecer como se iniciou a vida no nosso planeta.

E o jornalista, provavelmente ligado em science fiction, quis saber mais: se será possível viajar até um desses planetas parecido com a Terra? Didier Queloz deu aquela resposta mortal: “No momento, não existe nada que permita aos seres humanos viajar dezenas ou centenas de anos até um desses planetas. A distância se mede em anos-luz e não existe ainda nenhuma espaçonave capaz de viajar nessa velocidade. Quem sabe dentro de um milhão de anos seja construída uma, mas serão necessários outros milhões de anos para fazer essas viagens”.

O cientista Michel Mayor foi também taxativo: “É completamente irrealista a ideia de uma migração da humanidade para outro planeta. Os exoplanetas estão longe demais. Haveria necessidade de milhões de dias para se fazer uma viagem dessas com os meios atuais”.

Ambos também deixaram claro não ter sido ainda localizado nenhum exoplaneta como a Terra.

Tanto Queloz como Mayor dizem a mesma coisa – devemos cuidar do nosso planeta, que é bonito e habitável. E devemos evitar todo tipo de declaração do tipo “se a vida não for mais possível na Terra, iremos a um outro planeta. Isso é absurdo, não existe essa possibilidade”.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.