Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Grande imprensa repercute primeiro ano da Operação Dilúvio de Al-Aqsa ainda pautada por um viés pró-Israel

(Imagem de Umme Salma por Pixabay)

Na segunda-feira (7/10), a ofensiva militar da resistência palestina à dominação de Israel, comandada pelo Hamas, realizada a partir da Faixa de Gaza, completou um ano.

A ação, nomeada “Operação Dilúvio de Al-Aqsa”, em referência à mesquita localizada em Jerusalém, foi utilizada pelo governo israelense como pretexto para intensificar o genocídio do povo palestino.

Apesar de sua relevância para a geopolítica global, o “7 de outubro” não ocupou o centro dos noticiários da grande imprensa nos últimos dias (devido, principalmente, à repercussão dos resultados das eleições municipais do domingo, 6/10).

Porém, isso não impediu que as matérias produzidas nos principais jornais do país para lembrar este acontecimento continuassem a adotar um viés nitidamente pró-Israel.

Mesmo com as imagens do “primeiro genocídio televisionado da história” correndo o planeta, o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, em artigo publicado no Estadão, insinuou que defender a resistência palestina contra Israel é “fanatismo de esquerda”. Recorrendo a uma manjada fake news, para Rosenfield, Israel não ataca civis. As mais de quarenta mil mortes em Gaza no último ano ocorreram porque o Hamas usa “escudos humanos”. Para ele, invertendo o que a realidade nos mostra, enquanto as “organizações terroristas palestinas” cultuam a morte; Israel cultua a vida.

Na Folha de S. Paulo, o correspondente internacional Igor Gielow escreveu: “um ano após o maior ataque terrorista de sua história, Israel é um país traumatizado, que ainda tenta absorver a experiência do 7 de outubro em meio a uma guerra muito mais ampla do que a lançada pelo Hamas”. Os massacres do povo palestino, realizados pelo Estado sionista, antes e após o 7 de outubro, em contrapartida, não são qualificados como “terrorismo”, mas, no máximo, como “ofensiva”.

Também na publicação da família Frias, texto da advogada Becky S. Korich apontou que “os atentados de 7de outubro inauguraram o fenômeno do antissemitismo moderno”, em uma desonesta tentativa de associar quem critica as atrocidades de Israel (antissionismo) ao ódio direcionado a judeus (antissemitismo). “O 7 de outubro não só mudou a região, mas mudou o mundo. Inaugurou-se o fim da ‘era pós-Holocausto’. Ora disfarçado de antissionismo, ora escancarado, o racismo voltou com tudo”, argumentou Becky.

Consequentemente, se formos acompanhar essa absurda linha de raciocínio, ser antinazista é ser antialemão; e ser antifascista é ser anti-italiano. Ou seja, algo totalmente descabido.

Além do mais, se há algum racismo na geopolítica palestina, como pontua Becky, certamente é por parte de Israel. Basta lembrarmos das leis do país que conferem aos árabes-palestinos o status de cidadãos de segunda classe e as inúmeras declarações de autoridades sionistas ao longo da história que animalizam o povo palestino.

Como não poderia deixar de ser, a Folha recorreu a um “especialista em legitimação”, nomenclatura dada ao intelectual ouvido por um veículo de imprensa exclusivamente para reforçar determinados posicionamentos ideológicos. Nesse sentido, foi entrevistado o historiador sionista Simon Sebag Montefiore.

A partir de vários clichês e falsificações geopolíticas, Montefiore considera as ações do Hamas do dia 7 de outubro de 2023 não como reação de um povo sob julgo colonial, mas algo comparável a “uma invasão das hordas mongóis na Idade Média, cuja ferocidade e atrocidade tinham como finalidade semear o terror” (reforçando o estereótipo do “árabe bárbaro/terrorista”), e insinuou que a comparação entre as situação em Gaza e o Holocausto é “estereótipo antissemita” (a mesma cartada retórica da anteriormente citada Becky S. Korich).

Além disso, ele nega tanto a existência de um genocídio em Gaza (pois, segundo ele, morrem muitas pessoas nos ataques israelenses por se tratar de um conflito que ocorre em uma área populosa), quanto o caráter colonial do Estado de Israel (haja vista que, supostamente, os judeus que migraram para Palestina seriam indígenas daquela região, o que não tem nenhum tipo de respaldo científico).

O Globo recorreu à manjada técnica de esgotar o 7 de outubro em sua imediatidade, ou seja, fez da Operação Dilúvio de Al-Aqsa uma espécie de marco zero das animosidades entre israelenses e palestinos. “Gatilho de espiral de violência, ataque do Hamas é ferida aberta para israelenses um ano depois”, estampou o título de uma matéria do diário carioca.

Diferentemente de seus congêneres, O Globo pelo menos abriu um espaço ao contraditório (ainda que mínimo), ao ouvir a professora de Relações Internacionais da PUC-SP, Isabela Agostinelli, que denunciou a ocupação e dominação colonial sobre os territórios palestinos como causa da radicalização em Gaza.

No entanto, tratou-se de uma voz solitária, uma exceção à regra, em uma cobertura internacional que não se preocupou em realizar um jornalismo minimamente plural; mas apenas em atuar como uma espécie de propaganda de guerra sionista.

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Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Unicamp. Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu