Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crescimento econômico e preservação ambiental na agenda do século XXI

Foto: Pedro França/Agência Senado

Um novo governo se iniciou e com ele veio uma crescente preocupação com o espaço que a pauta ambiental terá nos próximos quatro anos. Ao que tudo indica esse espaço será mínimo. Chega-se a essa conclusão diante do negacionismo expresso do novo ministro da pasta sobre a existência do aquecimento global e uma tentativa anterior (reavaliada e descartada) de unir o ministério do meio ambiente com o da agricultura, segmento da economia brasileira responsável por parcela significativa da degradação ambiental no território nacional. Talvez, a recente tragédia de Brumadinho possa fazer com que o novo governo reconsidere suas posições.

Por muito tempo acreditou-se que a deterioração dos recursos naturais era um subproduto aceitável do crescimento econômico, entretanto, economistas especializados no tema demonstram em estudos recentes que é possível conciliar ganhos triplos com uma política econômica bem direcionada; a preservação do meio ambiente, crescimento econômico sustentado e geração de empregos decentes.

O Brasil obteria ainda um ganho extra: a redução da desigualdade regional, uma vez que muitas das atividades com impacto ambiental positivo levariam dinamismo econômico a regiões historicamente periféricas. Como o desenvolvimento de projetos de energia solar na Região Nordeste, área com alta incidência de luminosidade, ou o aperfeiçoamento do ecoturismo na Região Norte.

Organismos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) realizam estudos na área de Economia Verde, aquela parte da Ciência Econômica que incorpora a variável ambiental em suas teorias. E concluem que uma transição para um padrão de produção e consumo da economia mundial que considere a preocupação com os recursos naturais, além do óbvio benefício ambiental poderia trazer outro: o econômico. Há muitos nichos de mercado inexplorados nessa área, os primeiros empresários a empreenderem, gozariam da vantagem do pioneiro obtendo retorno elevado.

Estes estudos também apontam para os ganhos sociais, verificados pela geração de empregos (tema sensível para o governo atual). Os empregos verdes como são chamados os postos de trabalho gerados por setores da economia ambientalmente amigáveis, já representam 6% de todos os empregos do Brasil. As atividades sustentáveis geram mais empregos que as atividades poluentes. Para ficar em apenas um exemplo, segundo a OIT 2,5 milhões de empregos serão criados no mundo todo com a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis, compensando os 400.000 empregos perdidos com a eliminação da produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis.

Recentemente lideranças globais participaram da organização de uma nova “internacional progressista”, movimento que se coloca como alternativa antagônica a onda de extrema direita que varreu vários países do mundo, inclusive o Brasil e reúne personalidades como Bernie Sanders e o ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis. O movimento reacendeu o debate sobre a possibilidade de um New Deal Ambiental, ou seja, um programa de parceria entre os setores público e privado que reoriente a economia global em direção a sustentabilidade financeira e ambiental, com foco no bem estar das próximas gerações.

Claro que investimentos em economia verde possuem um custo inicial elevado, mas a parceria entre Estado e Mercado poderia equacionar a questão. Somente o Estado poderia garantir financiamento vultoso a longuíssimo prazo e de alto risco que os novos empreendimentos necessitam, e este ponto esbarra em dois obstáculos: os arroubos liberais do novo governo que são mais ideológicos que práticos, e a crise fiscal do Estado. Quanto ao primeiro, o problema está em comunicar as virtudes do projeto para um presidente que em seu discurso de posse falou em livrar o Brasil do socialismo (alguma idéia?).

Quanto ao segundo, é necessário que se tenha a clareza de que o equilíbrio das contas públicas não é um fim em si mesmo, mas sim uma condição necessária embora não suficiente para a conquista do desenvolvimento. Uma vez que os projetos financiados tenham amadurecidos eles passarão a contribuir com a arrecadação tributária, contratar mão-de-obra e ampliar seus negócios para suprir a nova demanda proveniente de maior consciência ambiental dos consumidores devolvendo ao Estado os recursos do financiamento inicial, permitindo que este financie novos projetos.

Cabe ressaltar que a geração atual já sofre os efeitos dos danos ambientais, sobretudo os mais pobres que muitas vezes vivem em áreas degradadas e estão envolvidos em empregos precários nos quais são obrigados a aprofundar a miséria ambiental comprometendo a própria saúde e a daqueles que ainda estão por vir. Além, é claro, de permanecerem distantes do retorno econômico da destruição que causam.

Um exemplo nefasto é o rompimento da barragem de Brumadinho-MG. A empresa Vale S.A., reincidente nesse tipo de crime, é o símbolo da perseguição do lucro discordante da sustentabilidade ambiental. A mineração, atividade econômica ecologicamente degradante, além de empregar mão de obra subqualificada e fornecer baixos salários, socializou prejuízos incalculáveis em Brumadinho, com perdas humanas e da biodiversidade. Um projeto de desenvolvimento que vise os ganhos triplos discutidos acima requer um redirecionamento da economia em direção a atividades mais sustentáveis, não sendo possível a permanência de uma estrutura produtiva amparada na exportação de commodities.

O comércio internacional não pode ser deixado de lado nessa discussão, muitos países já manifestaram insatisfação com a política ambiental do novo governo e insinuaram possíveis retaliações. Também é preciso que se diga que alguns parceiros comerciais (europeus na maioria) utilizam critérios ambientais como barreiras ao comércio, se o país exportador não cumprir uma série de procedimentos ambientais não recebe a certificação necessária para vender seu produto. Para uma economia tão dependente da pauta exportadora como a nossa, a queda de demanda nos países com essas exigências teria forte impacto sobre as transações correntes.

Relegar a pauta ambiental à segundo plano como o novo governo parece estar fazendo implica não apenas na ampliação de inúmeras catástrofes ambientais que já fazem parte do cotidiano do país, (por exemplo o crescente desmatamento) como também impede que o Brasil aproveite as possibilidades de auferir ganhos econômicos e sociais através da reorientação de sua política econômica. Não haverá ganhos sem as políticas certas! Persistir na velha pauta exportadora é selar a vocação brasileira de silo agrícola e caminhar na contramão do futuro.

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Luiz Henrique Bispo Santos é mestrando em Ciência Econômica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), economista formado pela Unesp.